DIAP de Aveiro mantém os CD que Supremo mandou destruir
16.11.2009 - 08:10 Por José Augusto Moreira, Paula Torres de Carvalho, Mariana Oliveira
A ordem de destruição dos CD com as gravações das conversas telefónicas entre Armando Vara e o primeiro-ministro, José Sócrates, não foi ainda cumprida. Apesar da ordem do presidente do Supremo ser de Setembro, os registos mantêm-se no processo e há dúvidas sobre se a decisão deverá ser cumprida.
A 3 de Setembro, o presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Noronha Nascimento, emitiu um despacho determinando a destruição, que o procurador-geral da República enviou para o DIAP de Aveiro.
A Polícia Judiciária - a quem caberá executar a destruição - ainda não recebeu um ofício selado do juiz de instrução criminal de Aveiro.
Aliás, este mesmo magistrado colocou há dias no seu site (www.lugardotrabalho.com) um acórdão do Supremo Tribunal a fixar jurisprudência sobre a matéria. A decisão estabelece que, "durante o inquérito, o juiz de instrução criminal pode determinar, a requerimento do Ministério Público, a transcrição e junção aos autos das conversações e comunicações indispensáveis para fundamentar a futura aplicação de medidas de coacção".
Destruir ou não as gravações está a dividir os especialistas. O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, por exemplo, defende a conservação de escutas nestes casos, como lembrou ontem Marcelo Rebelo de Sousa.
Uma das razões em defesa da conservação dos CD é o facto de, além de Sócrates, as gravações envolverem Vara, ex-secretário de Estado da Administração Interna e até este caso administrador do BCP, que é central na investigação do caso Face Oculta, e que poderá vir a querer fazer uso legal delas.
Além disso, as escutas a Vara estavam legalmente autorizadas e não há qualquer problema processual que as possa afectar. É por isso que alguns juristas defendem que a ordem do presidente do Supremo é inexequível e poderia constituir até um privilégio ilegal para Vara, que estaria a ser beneficiado apenas por o seu interlocutor ser o primeiro-ministro, como já defendeu o penalista Paulo Pinto de Albuquerque.
Também tem sido defendido pelos juristas a necessidade de preservar em envelope lacrado todas as escutas, mesmo as aparentemente irrelevantes, até ao final do processo, não só no interesse da investigação, mas também como um direito que não pode ser retirado aos arguidos.
As escutas podem vir a revelar-se importantes face a factos ou acontecimentos que possam vir a surgir ou ser aproveitadas pelos arguidos para defender os seus pontos de vista. É o caso do próprio Vara, que poderá vir a querer usar as suas próprias afirmações registadas para contrariar ou desmontar acusações que lhe possam vir a ser feitas.
A defesa do juiz
No sábado, através de um esclarecimento público, o STJ frisa que "a execução do despacho [de Noronha Nascimento] cabe tão-só à autoridade judiciária que dirige o inquérito, ou seja, à Procuradoria-Geral da República". Esta teve, aliás, o cuidado de mencionar no comunicado divulgado horas depois que tinha solicitado já, a 30 de Outubro, ao procurador-geral distrital de Coimbra, diligências para destruir as escutas. Vara será submetido depois de amanhã ao primeiro interrogatório no DIAP de Aveiro, no final do qual o juiz de instrução lhe fixará as medidas de coacção.
Para já, uma coisa é certa: o MP já deixou passar todos os prazos para apresentar reclamações (para o Pleno do STJ) ou recursos (para o Tribunal Constitucional), sobre a decisão de Noronha Nascimento.
Cronologia do caso das escutas
Março (vários dias) - Escutas da PJ no caso Face Oculta registam telefonemas entre Armando Vara e José Sócrates. As conversas que o DIAP de Aveiro considerou mais relevantes versam sobre a venda da TVI e questões financeiras do grupo Global Notícias.
24 Junho - Depois de várias conversas sobre a matéria, o procurador-geral, Pinto Monteiro, reúne-se (11h00) com o procurador distrital de Coimbra e o procurador do DIAP de Aveiro, para decidir o que fazer às escutas em que aparece José Sócrates.
24 Junho -Questionado no Parlamento, Sócrates diz nada saber sobre o negócio da PT para a compra da TVI aos espanhóis da Prisa. A líder do PSD, Manuela Ferreira Leite, diz não acreditar que esteja a falar verdade.
25 Junho - Presidente da República quer que a PT explique o que se está a passar com o negócio da TVI.
25 Junho - Prisa recua na demissão de José Eduardo Moniz, depois de antes ter anunciado que tinha tudo acertado com ele para deixar a direcção da TVI.
26 Junho - DIAP de Aveiro remete ao procurador-geral a primeira certidão.
26 Junho - Primeiro-ministro anuncia que mandatou o ministro da Obras Públicas para comunicar à PT que o Estado vetaria o negócio de compra da TVI.
3 Julho - DIAP de Aveiro remete a segunda certidão. Acompanham-nas 23 CD com gravações de escutas, seis das quais envolvem José Sócrates.
23 Julho - Pinto Monteiro decide remeter as escutas ao presidente do STJ, suscitando a questão da sua validade.
24 Julho - PGR recebe mais duas certidões, acompanhadas por 10 CD.
5 Agosto - Presidente do STJ, Noronha Nascimento, recebe, em mão, o dossier relativo às duas primeiras certidões.
3 Setembro - Presidente do STJ decide não validar a gravação e transcrição das escutas, julga nulo o despacho do juiz de Instrução de Aveiro sobre a extracção de cópias da gravações e ordena a destruição de todos os suportes.
10 Setembro - PGR recebe mais duas certidões, acompanhadas de cinco CD.
9 Outubro - PGR recebe mais uma certidão e dois CD.
30 Outubro - Pinto Monteiro pede informações e elementos complementares ao DIAP de Aveiro e ordena o cumprimento da decisão do presidente do STJ.
2 Novembro - PGR recebe mais uma certidão.
11 Novembro - Manuel Ferreira Leite exige, no Parlamento, que o primeiro-ministro preste esclarecimentos públicos sobre o conteúdo das escutas.
13 Novembro - Semanário Sol afirma que "Sócrates mentiu ao Parlamento sobre a TVI". Primeiro-ministro diz que "isto está a passar das marcas" e exorta Pinto Monteiro a esclarecer o país.
13 Novembro - Procurador-geral recebe as informações e elementos complementares. Incluem relatórios e 146 conversações/comunicações, cinco delas respeitantes ao primeiro-ministro
14 Novembro - Comunicado do procurador-geral dando conta de todos os passos da questão das certidões e de que não encontrou, nas duas primeiras, "indícios probatórios que levassem à instauração de procedimento criminal". Promete uma "análise global" até ao final desta semana.
0 comments:
Post a Comment