PGR, Souto Moura, Rui Pereira

Telefonemas revelam a estirpe dos políticos

30-Set-2007

O actual ministro da Administração Interna, Rui Pereira, foi proposto para procurador-geral da República (PGR) a Jorge Sampaio, por José Sócrates, mal este tomou posse como primeiro-ministro, em Março de 2005 - a um ano e meio de Souto Moura terminar o seu mandato. José Sócrates, publicamente, mantinha então confiança no procurador-geral, negando informações de que era sua intenção substituí-lo antecipadamente.

Questionado ontem sobre o assunto, José Sócrates recusou fazer qualquer comentário. O PUBLICO tentou também entrar em contacto com Rui Pereira, mas este nunca se mostrou disponível para falar sobre o assunto. A notícia foi dada ontem pelo semanário Sol, que publica escutas telefónicas que indiciam os bastidores desse processo, citando conversas, quase sempre cifradas, entre Rui Pereira e Abel Pinheiro.
O antigo tesoureiro do CDS-PP - constituído arguido no caso Portucale, pelos crimes de tráfico de influências e falsificação de documento - ter-se-á mostrado ainda particularmente interessado em conseguir de Rui Pereira, ex-director do SIS, informações judiciais a que este poderia ter acesso.
O jornal faz ainda notar que o ministro da Administração Interna e Abel Pinheiro pertencem ambos à maçonaria, e que na altura em que foram escutados partilhavam a loja Convergência, do Grande Oriente Lusitano.
As escutas transcritas pelo Sol, feitas a partir do telemóvel de Abel Pinheiro - e que também incluem conversas com Paulo Portas e Fernandes Marques da Costa, então conselheiro de Jorge Sampaio -, fazem parte do processo Portucale. O juiz de instrução que teve o caso em mãos validou as intercepções telefónicas, por entender que elas poderiam ser importantes para decidir sobre os crimes em causa no inquérito.
Apoiando-se nos autos e nos diálogos entre Rui Pereira e Abel Pinheiro, o Sol conclui que o jurista e actual ministro da Administração Interna era o nome que Abel Pinheiro, Paulo Portas e José Sócrates queriam para a Procuradoria-Geral da República.
Num dos telefonemas, Abel Pinheiro informa Rui Pereira de que Paulo Portas havia sido abordado por José Sócrates, no sentido de que aquele, tendo em conta as boas relações que tinha com Sampaio, intercedesse pela escolha do novo procurador-geral.
O ministro da Administração Interna, que faz várias perguntas sobre a evolução das negociações, afirma-se "reconhecido" pelo esforço de Abel Pinheiro e revela vontade de aceitar o cargo que Sócrates lhe propusera.
O semanário escreve que Sampaio resistiu à proposta do primeiro-ministro, uma vez que preferia para o cargo o seu assessor Magalhães e Silva ou a professora de Direito Teresa Beleza.
As escutas revelam ainda que um assessor de Jorge Sampaio, Fernando Marques da Costa, que actualmente faz parte da mesma loja maçónica de Rui Pereira, participou em conversas com o actual ministro da Administração Interna e com Abel Pinheiro sobre o assunto.
O ex-Presidente da República não quis, no entanto, demitir Souto Moura, e resistiu às pretensões de Sócrates e de Paulo Portas. O ex-Presidente da República, conta o Sol, acabaria também por tomar conhecimento das conversas interceptadas.
Rui Pereira seria nomeado para coordenador da Unidade de Missão para a Reforma Penal, responsável pela alteração dos códigos Penal e de Processo Penal, em Agosto de 2005. Com a candidatura de António Costa à Câmara de Lisboa, Rui Pereira foi escolhido para titular da pasta da Administração Interna.

Polémicas em volta das escutas:A saída de Souto Moura e o processo Portucale
Os dois assuntos subjacentes às conversas mantidas entre Abel Pinheiro, Rui Pereira, Fernando Marques da Costa e Paulo Portas, de acordo com o semanário Sol, são as investigações no âmbito do processo Portucale e a pressão, nomeadamente por parte de dirigentes socialistas, para que o anterior procurador-geral da República (PGR) fosse afastado do cargo antes de terminar o mandato.
Neste último caso, recorde-se que José Souto Moura teve em mãos o processo Casa Pia, que levou à detenção do ex-ministro e ex-deputado do PS Paulo Pedroso, e que implicou outros responsáveis socialistas, nomeadamente António Costa e Ferro Rodrigues, que na altura liderava o partido, ambos alvos de escutas telefónicas.
José Sócrates tentou substituir Souto Moura, antes de este terminar o seu mandato, mas Jorge Sampaio segurou-o.
Um dos processos que ficaram nas mãos do novo procurador-geral, Pinto Monteiro, foi precisamente o caso Portucale. Em causa está a viabilização de um empreendimento do Grupo Espírito Santo, por parte de dois ministros do Governo PSD/CDS liderado por Santana Lopes, que terá tido como contrapartida o financiamento do CDS-PP. O Ministério Público decidiu acusar onze arguidos.

IN PÚBLICO | 30.10.2007


Já se sabia que José Sócrates nunca morreu de amores por Souto Moura, ex-procurador-geral da República (PGR), mas o primeiro-ministro sempre negou que tivesse mexido um dedo sequer para o correr do lugar. Segundo o semanário "Sol", afinal, não foi bem assim.Escutas telefónicas reveladas ontem pelo jornal demonstram que José Sócrates e o PS moveram mesmo influências, designadamente junto do então Presidente da República, Jorge Sampaio, para demitir Souto Moura e substituí-lo por Rui Pereira, actual ministro da Administração Interna.
As escutas em causa fazem parte do processo Portucale (em que o Ministério Público investigou crimes de tráfico de influências e suspeitas de financiamento ilegal do CDS) e envolvem Paulo Portas, então líder demissionário dos populares, o próprio Rui Pereira, Abel Pinheiro e Fernando Marques da Costa, então conselheiro de Sampaio.
De acordo com o "Sol", as escutas, feitas a partir do telefone de Abel Pinheiro, que tinha o pelouro das finanças do CDS, mostram como o primeiro-ministro teve encontros com Paulo Portas, a quem pediu ajuda para convencer Sampaio. E como Portas até deu o seu apoio ao nome de Rui Pereira, que entretanto já tinha aceite o convite de Sócrates para tomar o lugar de Souto
Moura.

O gato constipado
Os intervenientes nas escutas ontem divulgadas pelo "Sol" tiveram algum cuidado na linguagem, usando até, às vezes, expressões quase de código para se referirem a determinadas pessoas. Neste aspecto, Abel Pinheiro foi o mais brilhante: para ele, por exemplo, Souto Moura era "o gato constipado", Paulo Portas era "o meu patrão" ou "o nosso amigo", enquanto José Sócrates era "o engenheiro" ou "o patrão-mor do reino". Já o então Presidente da República, Jorge Sampaio, seria "o outro cavalheiro" ou, mais carinhosamente, o "tio Jorge". Claro, pelo meio havia outros assuntos, mas eram "coisas... não faláveis".

IN 24 HORAS | 30.09.2007

Dez processos mediáticos

Dez processos mediáticos

Corrupção, tráfico de influências, evasão e fraude fiscal, furto e burla qualificada a passo lento

 

Processo: Cova da Beira

FALTA (J.A.C.)

Processo: Casa Pia

Início: Novembro de 2002

Tipo de crimes: Abuso sexual de crianças, lenocínio (favorecimento da prostituição), actos homossexuais com adolescentes, abuso de pessoa internada e posse de arma.

Arguidos: Sete. Carlos Silvino (conhecido como Bibi), ex motorista da Casa Pia; Carlos Cruz, ex apresentador de televisão; Manuel Abrantes, ex provedor da Casa Pia, Jorge Ritto, ex- embaixador; Ferreira Diniz, médico; Hugo Marçal, advogado e Gertrudes Nunes, antiga ama da Segurança Social e dona de uma casa em Elvas, indicada como um dos locais onde terão ocorrido os abusos.

Fase do processo: Em julgamento há cinco anos.

O chamado processo de pedofilia da Casa Pia começou a ser investigado na sequência de uma reportagem da jornalista Felícia Cabrita, no jornal Expresso, denunciando a prática de abusos sexuais de alunos e ex alunos da Casa Pia. Entre os suspeitos, figuravam várias figuras públicas e personalidades políticas. O julgamento iniciou-se dois anos depois, em Novembro de 2004, prosseguindo até hoje, o que o transformou no mais longo da história judicial portuguesa. Considerado de especial complexidade, admitiu a audição de mais de mil testemunhas e ultrapassou já as 60 mil folhas. P.T.C.

Processo: Caso da mala

Início: Outubro de 2002

Tipo de crimes: Fraude fiscal

Arguidos: António Preto, Virgílio Sobral de Sousa, Jorge Silvério, Serbo Lda.

Fase do processo: Julgamento começou em 29 de Outubro de 2009 mas teve uma só sessão e foi adiado sem data

António Preto, deputado e advogado, vai insistir junto Tribunal da Relação de Lisboa para ser julgado separadamente dos restantes co-arguidos, após a sua pretensão ter sido indeferida pelo colectivo das Varas Criminais de Lisboa que iniciou o julgamento há cerca de um mês. A audiência está adiada sem data, devido à ausência de uma decisão do Tribunal Tributário de Coimbra quanto à existência ou não de prejuízo tributário gerado pela incorporação de recibos de honorários, datados de Março de 2003, na contabilidade de empresa do co-arguido Virgílio Sobral. O caso da mala com milhares de euros em notas foi detectado em escutas relacionadas com suspeitas de corrupção na Escola de Condução de Tábua, quando os investigadores captaram conversas de Preto com um dos arguidos aludindo a entregas de dinheiro em notas. Em 2 de Maio de 2002. Preto terá telefonado a Virgílio Sobral confirmando a entrega de 24.980 euros numa mala. O advogado e os seus clientes justificaram as entregas em dinheiro como liquidação de honorários, ao passo que a certidão remetida do TIC de Coimbra para o DCIAP sustentava tratar-se de financiamento partidário. A.A.M.

Processo: Apito Dourado

Início: 2003

Tipo de crimes: Corrupção, prevaricação e abuso de poder

Arguidos: 24, entre os quais Valentim Loureiro, ex- presidente da Liga de Clibes e presidente da Câmara de Gondomar

Fase do processo: Recurso no Tribunal da Relação do Porto

Em Julho de 2008, o tribunal de Gondomar condenou a penas de prisão 13 dos 24 arguidos do processo do Apito Dourado, não dando como provadas as imputações de corrupção activa e passiva imputadas a quase todos os arguidos. A principal figura do caso, Valentim Loureiro, acabaria por ser punido com três anos e meio de prisão, cúmulo jurídico da sua condenação por prevaricação e cúmplice em 25 crimes de abuso de poder. Este último ilícito estaria igualmente na base da punição a dois anos e três meses de prisão a que foi sentenciado José António Pinto de Sousa, ex- presidente do Conselho de arbitragem da FPF. José Luís Oliveira, ex-presidente do clube local e vice-presidente da Câmara Municipal, foi também condenado a três anos de prisão. O cumprimento das penas foi suspenso por igual período e os arguidos condenados recorreram da decisão para o Tribunal da Relação do Porto. Pouco mais de um ano de escutas telefónicas aos principais arguidos, motivaram muitas investigações, sendo a mais sensível a valorização de um prédio rústico, Quinta do Ambrósio, que gerou um lucro de três milhões de euros, e está na fase de instrução. A.A.M.

Processo: Freeport

Início: Fevereiro de 2005

Tipo de crimes: Suspeita de corrupção no licenciamento do centro comercial de Alcochete

Arguidos: Seis. Charles Smith, Carlos Guerra (ex-presidente do Instituto da Conservação da Natureza), José Dias Inocêncio (antigo presidente da Câmara de Alcochete), José Manuel Marques (antigo assessor da autarquia), Manuel Pedro (sócio de Charles Smith na empresa Smith & Pedro) e Eduardo Capinha Lopes (responsável pelo projecto de arquitectura).

Fase do processo: Inquérito

No âmbito do processo conhecido por Freeport, investigam-se suspeitas de corrupção e tráfico de influências no licenciamento do centro comercial, em 2002, quando o primeiro ministro José Sócrates era ministro do Ambiente. Relacionado com o mesmo caso, foi aberto um processo autónomo em Inglaterra que já foi arquivado por falta de elementos para proceder criminalmente contra os suspeitos. Em Portugal, a investigação já está concluída. Os magistrados titulares do inquérito estão agora a elaborar um relatório final sobre o processo, na sequência do qual será decidido se o caso vai para investigação ou se é arquivado. P.T.C.

Processo: Portucale

Início: Primavera de 2005

Tipo de crimes: Tráfico de influências, abuso de poder e falsificação de documento

Arguidos: 11, entre os quais, Abel Pinheiro, director financeiro do CDS/PP, três gestores do grupo Espírito Santo

Fase do processo: Debate instrutório dia 18 de Dezembro

O abate de sobreiros na Herdade da Vargem Fresca, em Benavente, motivou uma investigação que culminou com a acusação de 11 arguidos, entre os quais Abel Pinheiro, empresário e director financeiro do CDS/PP, de três gestores do Grupo Espírito Santo, por alegada prática de tráfico de influências, abuso de poder e falsificação de documento. Na fase de inquérito o juiz do Tribunal Central de Instrução Criminal colocou sob escuta vários suspeitos, entre os quais Abel Pinheiro, acabando por captar, quase em tempo real, inúmeras informações relacionadas com aquele empreendimento, com a aquisição de dois submarinos e outros negócios do Estado sobre equipamento militar. Os conhecimentos fortuitos das escutas desvendaram também os bastidores das eleições para o cargo de grão-mestre da maçonaria e ainda que Paulo Portas terá levado consigo milhares de fotocópias de documentos do Ministério da Defesa Nacional quando saiu do governo. O caso dos submarinos teve há pouco uma primeira acusação e o do abate dos sobreiros está actualmente em instrução, com o debate final marcado para o próximo dia 18 de Dezembro. Duas tentativas goradas de afastamento do juiz de instrução implicaram uma paragem das diligências por um período superior a um ano. A.A.M.

Processo: Operação Furacão

Início: Outubro de 2005

Tipo de crimes: Suspeitas de evasão e fraude fiscal qualificada

Arguidos: 200

Fase do processo: As diligências já terminaram. Há já casos que foram arquivados, outros relativamente aos quais foi decidida a suspensão provisória do processo e outros que continuam em investigação.

A investigação que levou à chamada "Operação Furacão" iniciou-se em Março de 2004, com base em informação recolhida junto das autoridades fiscais do Reino Unido. Essa informação referia a existência de várias sociedades registadas na mesma morada que declaravam a emissão de facturas a sociedades registadas em Portugal. Em Outubro de 2005, por suspeitas da prática de evasão e fraude fiscal, fizeram-se buscas a quatro instituições bancárias: Banco Espírito Santo (BES), Banco Comercial Português (BCP), Banco Português de Negócios (BPN) e Finibanco e a várias empresas de assessoria fiscal, bem como a escritórios de advogados. Foi a maior investigação já realizada no campo da criminalidade económica. O fisco já conseguiu recuperar cerca de 75 milhões de euros. P.T.C.

Processo: Caso BCP

Início: Dezembro de 2007

Tipo de crimes: Burla qualificada, manipulação de mercado e falsificação da contabilidade

Arguidos: Cinco, entre os quais o fundador da instituição, Jardim Gonçalves, e quatro ex- administradores

Fase do processo: Em instrução no TIC de Lisboa

A alegada manipulação da contabilidade do Banco Comercial Português, entre 1999 e 2007, motivou a acusação de cinco ex-administradores, incluindo Jardim Gonçalves, fundador e presidente da instituição, de três crimes: fraude qualificada, manipulação de mercado e falsificação de contabilidade. O DIAP de Lisboa sustenta, com base em perícias do Banco de Portugal e da Comissão de Mercado de Valores Mobiliários, um presumível empolamento das cotações das acções do banco, com recurso a 17 sociedades instaladas em paraísos fiscais, usada para ocultar perdas no montante de 600 milhões de euros, e que os arguidos terão assim obtido prémios pelo seu desempenho rondando os 24 milhões de euros. Jardim Gonçalves e restantes co-arguidos não se conformaram com o libelo e requereram que a sua consistência seja avaliada pelo juiz de instrução criminal, fase que está a decorrer. A administração do Millenium BCP decidiu constituir-se assistente no processo. A.A.M.

Processo: Caso BPN

Início: Primavera de 2008

Tipo de crimes: Fraude qualificada, abuso de confiança, gestão danosa, falsificação, branqueamento, peculato e fraude fiscal

Arguidos: José Oliveira Costa e mais de outros 20 alegados cúmplices

Fase do Processo: Acusação

O DCIAP deve terminar hoje a notificação dos mais de 20 arguidos acusados no primeiro dos dez inquéritos relacionados com a bancarrota do Banco Português de Negócios (BPN), cujo buraco financeiro ronda os três mil milhões de euros. No sábado passado, foi entregue a acusação a José Oliveira Costa, presidente da instituição durante cerca de uma década e o único arguido com liberdade de movimentos limitada. A diligência foi feita no dia em que se completava um ano após a detenção do banqueiro para não ser revogada a prisão domiciliária a que o ex- secretário de Estado das Finanças está sujeito e foi prorrogada anteontem pelo juiz Carlos Alexandre, do Tribunal Central de Instrução Criminal. O Banco de Portugal originou o inquérito quando detectou operações a débito sem contrapartida real de créditos em contas no Banco Insular, abertas em nome de sociedades de paraísos fiscais pelo BPN e pela Sociedade Lusa de Negócios. O esquema envolvia circulações de depósitos de clientes da instituição no BPN Caimão sem o seu conhecimento e sob suspeita estão ainda o sumiço dado a milhões e milhões de euros que estiveram na origem da nacional do Banco há cerca de um ano. A.A.M.

Processo: face Oculta

FALTA (M.O.)Cova da Beira

Início: Maio de 1997

Tipo de crimes: Corrupção activa e passiva e branqueamento de capitais

Arguidos: António José Morais, Horácio Luis de Carvalho, Ana Simões

Fase do processo: Início de julgamento esteve marcado para Outubro, mas foi adiado para data a determinar

Este é um processo exemplar: pelo tempo que levou a investigar - chegou a estar na gaveta de um procurador quase dois anos -; porque algumas testemunhas essenciais nunca foram ouvidas; porque, apesar dos indícios da prática de crimes graves, nunca foram ordenadas escutas e ainda porque as buscas pedidas pela PJ a alguns visados, entre os quais o então deputado José Sócrates, nunca foram autorizadas. É exemplar também porque, embora tenha estado à beira da prescrição em 2007, foi o primeiro a tentar penetrar o oculto e nevrálgico, como se viu nas últimas semanas, mundo dos resíduos, das sucatas e dos negócios do Ambiente em geral. Tudo gira em torno de cerca de 60.000 euros que um antigo professor de Sócrates e a ex-mulher terão recebido de Horácio de Carvalho, como membros da Comissão de Análise de Propostas, para que o concurso do aterro sanitário da Associação de Municípios da Cova da Beira fosse indevidamente adjudicado ao grupo liderado por aquele empresário da Covilhã e por Carlos Santos Silva, um amigo de Sócrates que nunca foi ouvido. O início do julgamento poderá esperar meses ou anos devido a sucessivos recursos e iniciativas da defesa. José António Cerejo

Casa Pia

Início: Novembro de 2002

Tipo de crimes: Abuso sexual de crianças, lenocínio (favorecimento da prostituição), actos homossexuais com adolescentes, abuso de pessoa internada e posse de arma.

Arguidos: Sete. Carlos Silvino ("Bibi"), ex-motorista da Casa Pia; Carlos Cruz, ex-apresentador de televisão; Manuel Abrantes, ex-provedor da Casa Pia, Jorge Ritto, ex- embaixador; Ferreira Diniz, médico; Hugo Marçal, advogado e Gertrudes Nunes, antiga ama da Segurança Social e dona de uma casa em Elvas indicada como um dos locais onde terão ocorrido os abusos.

Fase do processo: Em julgamento há cinco anos.

O chamado processo de pedofilia da Casa Pia começou a ser investigado na sequência de uma reportagem da jornalista Felícia Cabrita, no jornal Expresso, denunciando a prática de abusos sexuais de alunos e ex-alunos da Casa Pia. Entre os suspeitos figuravam várias figuras públicas e personalidades políticas. O julgamento iniciou-se dois anos depois, em Novembro de 2004, prosseguindo até hoje, o que o transformou no mais longo da história judicial portuguesa. Considerado de especial complexidade, admitiu a audição de mais de mil testemunhas e ultrapassou já as 60 mil folhas. P.aula Torres de Carvalho

Caso da malaInício: Outubro de 2002

Tipo de crimes: Fraude fiscal

Arguidos: António Preto, Virgílio Sobral de Sousa, Jorge Silvério, Serbo Lda.

Fase do processo: Julgamento começou em 29 de Outubro de 2009 mas teve uma só sessão e foi adiado sem data

António Preto, deputado e advogado, vai insistir junto do Tribunal da Relação de Lisboa para ser julgado separadamente dos restantes co-arguidos, após a sua pretensão ter sido indeferida pelo colectivo das Varas Criminais de Lisboa que iniciou o julgamento há cerca de um mês. A audiência está adiada, sem data, devido à ausência de uma decisão do Tribunal Tributário de Coimbra quanto à existência ou não de prejuízo tributário gerado pela incorporação de recibos de honorários, datados de Março de 2003, na contabilidade de empresa do co-arguido Virgílio Sobral. O caso da mala com milhares de euros em notas foi detectado em escutas relacionadas com suspeitas de corrupção na Escola de Condução de Tábua, quando os investigadores captaram conversas de António Preto com um dos arguidos aludindo a entregas de dinheiro em notas. Em 2 de Maio de 2002 Preto terá telefonado a Virgílio Sobral confirmando a entrega de 24.980 euros numa mala. O advogado e os seus clientes justificaram as entregas em dinheiro como liquidação de honorários, ao passo que a certidão remetida do TIC de Coimbra para o DCIAP sustentava tratar-se de financiamento partidário. António Arnaldo Mesquita

Apito DouradoInício: 2003

Tipo de crimes: Corrupção, prevaricação e abuso de poder

Arguidos: 24, entre os quais Valentim Loureiro, ex-presidente da Liga de Clubes e presidente da Câmara de Gondomar

Fase do processo: Recurso no Tribunal da Relação do Porto

Em Julho de 2008, o tribunal de Gondomar condenou a penas de prisão 13 dos 24 arguidos do processo Apito Dourado, não dando como provadas as imputações de corrupção activa e passiva imputadas a quase todos eles. A principal figura do caso, Valentim Loureiro, acabaria por ser punido com três anos e meio de prisão, cúmulo jurídico da sua condenação por prevaricação e cúmplice em 25 crimes de abuso de poder. Este último ilícito estaria igualmente na base da punição a dois anos e três meses de prisão a que foi sentenciado José António Pinto de Sousa, ex-presidente do Conselho de Arbitragem da FPF. José Luís Oliveira, ex-presidente do clube local e vice-presidente da câmara municipal, foi também condenado a três anos de prisão. O cumprimento das penas foi suspenso por igual período e os arguidos condenados recorreram da decisão para o Tribunal da Relação do Porto. Pouco mais de um ano de escutas telefónicas aos principais arguidos motivaram muitas investigações, sendo a mais sensível a valorização de um prédio rústico, Quinta do Ambrósio, que gerou um lucro de três milhões de euros, e está na fase de instrução. A.A.M.

FreeportInício: Fevereiro de 2005

Tipo de crimes: Suspeita de corrupção no licenciamento do centro comercial de Alcochete

Arguidos: Seis. Charles Smith, Carlos Guerra (ex-presidente do Instituto da Conservação da Natureza), José Dias Inocêncio (antigo presidente da Câmara de Alcochete), José Manuel Marques (antigo assessor da autarquia), Manuel Pedro (sócio de Charles Smith na empresa Smith & Pedro) e Eduardo Capinha Lopes (responsável pelo projecto de arquitectura).

Fase do processo: Inquérito

No âmbito do processo conhecido por Freeport investigam-se suspeitas de corrupção e tráfico de influências no licenciamento do centro comercial, em 2002, quando o actual primeiro-ministro, José Sócrates, era ministro do Ambiente. Relacionado com o mesmo caso, foi aberto um processo autónomo em Inglaterra que já foi arquivado por falta de elementos para proceder criminalmente contra os suspeitos. Em Portugal, a investigação já está concluída. Os magistrados titulares do inquérito estão agora a elaborar um relatório final sobre o processo, na sequência do qual será decidido se o caso vai para investigação ou se é arquivado. P.T.C.

PortucaleInício: Primavera de 2005

Tipo de crimes: Tráfico de influências, abuso de poder e falsificação de documento

Arguidos: 11, entre os quais Abel Pinheiro, director financeiro do CDS/PP, três gestores do grupo Espírito Santo

Fase do processo: Debate instrutório dia 18 de Dezembro

O abate de sobreiros na Herdade da Vargem Fresca, em Benavente, motivou uma investigação que culminou com a acusação de 11 arguidos, entre os quais Abel Pinheiro, empresário e director financeiro do CDS/PP, e de três gestores do Grupo Espírito Santo, por alegada prática de tráfico de influências, abuso de poder e falsificação de documento. Na fase de inquérito o juiz do Tribunal Central de Instrução Criminal colocou sob escuta vários suspeitos, entre os quais Abel Pinheiro, acabando por captar, quase em tempo real, inúmeras informações relacionadas com aquele empreendimento, bem como a aquisição de dois submarinos e outros negócios do Estado sobre equipamento militar. Os conhecimentos fortuitos das escutas desvendaram também os bastidores das eleições para o cargo de grão-mestre da maçonaria e ainda que Paulo Portas teria levado consigo milhares de fotocópias de documentos do Ministério da Defesa Nacional quando saiu do Governo. O caso dos submarinos teve há pouco uma primeira acusação e o do abate dos sobreiros está actualmente em instrução, com o debate final marcado para o próximo dia 18 de Dezembro. Duas tentativas goradas de afastamento do juiz de instrução implicaram uma paragem das diligências por um período superior a um ano. A.A.M.

Operação FuracãoInício: Outubro de 2005

Tipo de crimes: Suspeitas de evasão e fraude fiscal qualificada

Arguidos: 200

Fase do processo: As diligências já terminaram. Há já casos que foram arquivados, outros relativamente aos quais foi decidida a suspensão provisória do processo e outros que continuam em investigação.

A investigação que levou à chamada Operação Furacão iniciou-se em Março de 2004, com base em informação recolhida junto das autoridades fiscais do Reino Unido. Essa informação referia a existência de várias sociedades registadas na mesma morada que declaravam a emissão de facturas a sociedades registadas em Portugal. Em Outubro de 2005, por suspeitas da prática de evasão e fraude fiscal, fizeram-se buscas a quatro instituições bancárias: Banco Espírito Santo (BES), Banco Comercial Português (BCP), Banco Português de Negócios (BPN) e Finibanco e a várias empresas de assessoria fiscal, bem como a escritórios de advogados. Foi a maior investigação já realizada no campo da criminalidade económica. O fisco já conseguiu recuperar cerca de 75 milhões de euros. P.T.C.

Caso BCPInício: Dezembro de 2007

Tipo de crimes: Burla qualificada, manipulação de mercado e falsificação da contabilidade

Arguidos: Cinco, entre os quais o fundador da instituição, Jardim Gonçalves, e quatro ex- administradores

Fase do processo: Em instrução no TIC de Lisboa

A alegada manipulação da contabilidade do Banco Comercial Português, entre 1999 e 2007, motivou a acusação de cinco ex-administradores, incluindo Jardim Gonçalves, fundador e presidente da instituição, por três crimes: fraude qualificada, manipulação de mercado e falsificação de contabilidade. O DIAP de Lisboa sustenta, com base em perícias do Banco de Portugal e da Comissão de Mercado de Valores Mobiliários, um presumível empolamento das cotações das acções do banco, com recurso a 17 sociedades instaladas em paraísos fiscais, usadas para ocultar perdas no montante de 600 milhões de euros, e que os arguidos terão assim obtido prémios pelo seu desempenho rondando os 24 milhões de euros. Jardim Gonçalves e restantes co-arguidos não se conformaram com o libelo e requereram que a sua consistência seja avaliada pelo juiz de instrução criminal, fase que está a decorrer. A administração do Millennium BCP decidiu constituir-se assistente no processo. A.A.M.

Caso BPN

Início: Primavera de 2008

Tipo de crimes: Fraude qualificada, abuso de confiança, gestão danosa, falsificação, branqueamento, peculato e fraude fiscal

Arguidos: José Oliveira Costa e mais de outros 20 alegados cúmplices

Fase do processo: Acusação

O DCIAP deve terminar hoje a notificação dos mais de 20 arguidos acusados no primeiro dos dez inquéritos relacionados com a bancarrota do Banco Português de Negócios (BPN), cujo buraco financeiro ronda os três mil milhões de euros. No sábado passado, foi entregue a acusação a José Oliveira Costa, presidente da instituição durante cerca de uma década e o único arguido com liberdade de movimentos limitada. A diligência foi feita no dia em que se completava um ano após a detenção do banqueiro, para não ser revogada a prisão domiciliária a que o ex-secretário de Estado das Finanças está sujeito e foi prorrogada anteontem pelo juiz Carlos Alexandre, do Tribunal Central de Instrução Criminal. O Banco de Portugal originou o inquérito quando detectou operações a débito sem contrapartida real de créditos em contas no Banco Insular, abertas em nome de sociedades de paraísos fiscais pelo BPN e pela Sociedade Lusa de Negócios. O esquema envolvia circulações de depósitos de clientes da instituição no BPN Caimão sem o seu conhecimento e sob suspeita estão ainda o desaparecimento de milhões e milhões de euros que estiveram na origem da nacionalização do banco há cerca de um ano. A.A.M.

Face OcultaInício: Fins de 2008

Tipo de crimes: Associação criminosa, corrupção activa para acto ilícito, corrupção activa no sector privado, tráfico de influências, furto qualificado e burla qualificada

Arguidos: Manuel José Godinho é o principal arguido de um caso que envolve figuras mediáticas como Armando Vara e José Penedos. Há pelo menos duas dezenas de arguidos neste momento

Fase do processo: Inquérito

O processo Face Oculta nasceu de uma investigação de fraude fiscal ao universo empresarial de Manuel José Godinho, um empresário de Esmoriz dedicado à gestão de resíduos e sucatas. Este inquérito permitiu desvendar uma "rede tentacular" integrada por vários quadros intermédios e de topo que, a troco de contrapartidas, favoreciam ou exerciam influência para que outros favorecessem o universo empresarial de Godinho. Outros vendiam informação privilegiada a Manuel José Godinho, enquanto alguns recebiam dinheiro para fechar os olhos a furtos feitos a mando do empresário ou a acções de fiscalização. M. O.Cova da Beira

Início: Maio de 1997

Tipo de crimes: Corrupção activa e passiva e branqueamento de capitais

Arguidos: António José Morais, Horácio Luis De Carvalho, Ana Simões

Fase do processo: Início de julgamento esteve marcado para Outubro, mas foi adiado para data a determinar

Este é um processo exemplar: pelo tempo que levou a investigar - chegou a estar na gaveta de um procurador quase dois anos -; porque algumas testemunhas essenciais nunca foram ouvidas; porque, apesar dos indícios da prática de crimes graves, nunca foram ordenadas escutas e ainda porque as buscas pedidas pela PJ a alguns visados, entre os quais o então deputado José Sócrates, nunca foram autorizadas. É exemplar também porque, embora tenha estado à beira da prescrição em 2007, foi o primeiro a tentar penetrar o oculto e nevrálgico, como se viu nas últimas semanas, mundo dos resíduos, das sucatas e dos negócios do Ambiente em geral. Tudo gira em torno de cerca de 60.000 euros que um antigo professor de Sócrates e a ex-mulher terão recebido de Horácio de Carvalho, como membros da Comissão de Análise de Propostas, para que o concurso do aterro sanitário da Associação de Municípios da Cova da Beira fosse indevidamente adjudicado ao grupo liderado por aquele empresário da Covilhã e por Carlos Santos Silva, um amigo de Sócrates que nunca foi ouvido. O início do julgamento poderá esperar meses ou anos devido a sucessivos recursos e iniciativas da defesa. José António Cerejo

Casa Pia

Início: Novembro de 2002

Tipo de crimes: Abuso sexual de crianças, lenocínio (favorecimento da prostituição), actos homossexuais com adolescentes, abuso de pessoa internada e posse de arma.

Arguidos: Sete. Carlos Silvino (conhecido como Bibi), ex motorista da Casa Pia; Carlos Cruz, ex apresentador de televisão; Manuel Abrantes, ex provedor da Casa Pia, Jorge Ritto, ex- embaixador; Ferreira Diniz, médico; Hugo Marçal, advogado e Gertrudes Nunes, antiga ama da Segurança Social e dona de uma casa em Elvas, indicada como um dos locais onde terão ocorrido os abusos.

Fase do processo: Em julgamento há cinco anos.

O chamado processo de pedofilia da Casa Pia começou a ser investigado na sequência de uma reportagem da jornalista Felícia Cabrita, no jornal Expresso, denunciando a prática de abusos sexuais de alunos e ex alunos da Casa Pia. Entre os suspeitos, figuravam várias figuras públicas e personalidades políticas. O julgamento iniciou-se dois anos depois, em Novembro de 2004, prosseguindo até hoje, o que o transformou no mais longo da história judicial portuguesa. Considerado de especial complexidade, admitiu a audição de mais de mil testemunhas e ultrapassou já as 60 mil folhas. P.aula Torres de Carvalho

Caso da mala

Início: Outubro de 2002

Tipo de crimes: Fraude fiscal

Arguidos: António Preto, Virgílio Sobral de Sousa, Jorge Silvério, Serbo Lda.

Fase do processo: Julgamento começou em 29 de Outubro de 2009 mas teve uma só sessão e foi adiado sem data

António Preto, deputado e advogado, vai insistir junto do Tribunal da Relação de Lisboa para ser julgado separadamente dos restantes co-arguidos, após a sua pretensão ter sido indeferida pelo colectivo das Varas Criminais de Lisboa que iniciou o julgamento há cerca de um mês. A audiência está adiada, sem data, devido à ausência de uma decisão do Tribunal Tributário de Coimbra quanto à existência ou não de prejuízo tributário gerado pela incorporação de recibos de honorários, datados de Março de 2003, na contabilidade de empresa do co-arguido Virgílio Sobral. O caso da mala com milhares de euros em notas foi detectado em escutas relacionadas com suspeitas de corrupção na Escola de Condução de Tábua, quando os investigadores captaram conversas de António Preto com um dos arguidos aludindo a entregas de dinheiro em notas. Em 2 de Maio de 2002 Preto terá telefonado a Virgílio Sobral confirmando a entrega de 24.980 euros numa mala. O advogado e os seus clientes justificaram as entregas em dinheiro como liquidação de honorários, ao passo que a certidão remetida do TIC de Coimbra para o DCIAP sustentava tratar-se de financiamento partidário. António Arnaldo Mesquita

Apito Dourado

Início: 2003

Tipo de crimes: Corrupção, prevaricação e abuso de poder

Arguidos: 24, entre os quais Valentim Loureiro, ex- presidente da Liga de Clubes e presidente da Câmara de Gondomar

Fase do processo: Recurso no Tribunal da Relação do Porto

Em Julho de 2008, o tribunal de Gondomar condenou a penas de prisão 13 dos 24 arguidos do processo do Apito Dourado, não dando como provadas as imputações de corrupção activa e passiva imputadas a quase todos eles. A principal figura do caso, Valentim Loureiro, acabaria por ser punido com três anos e meio de prisão, cúmulo jurídico da sua condenação por prevaricação e cúmplice em 25 crimes de abuso de poder. Este último ilícito estaria igualmente na base da punição a dois anos e três meses de prisão a que foi sentenciado José António Pinto de Sousa, ex-presidente do Conselho de arbitragem da FPF. José Luís Oliveira, ex-presidente do clube local e vice-presidente da Câmara Municipal, foi também condenado a três anos de prisão. O cumprimento das penas foi suspenso por igual período e os arguidos condenados recorreram da decisão para o Tribunal da Relação do Porto. Pouco mais de um ano de escutas telefónicas aos principais arguidos motivaram muitas investigações, sendo a mais sensível a valorização de um prédio rústico, Quinta do Ambrósio, que gerou um lucro de três milhões de euros, e está na fase de instrução. A.A.M.

Freeport

Início: Fevereiro de 2005

Tipo de crimes: Suspeita de corrupção no licenciamento do centro comercial de Alcochete

Arguidos: Seis. Charles Smith, Carlos Guerra (ex-presidente do Instituto da Conservação da Natureza), José Dias Inocêncio (antigo presidente da Câmara de Alcochete), José Manuel Marques (antigo assessor da autarquia), Manuel Pedro (sócio de Charles Smith na empresa Smith & Pedro) e Eduardo Capinha Lopes (responsável pelo projecto de arquitectura).

Fase do processo: Inquérito

No âmbito do processo conhecido por Freeport investigam-se suspeitas de corrupção e tráfico de influências no licenciamento do centro comercial, em 2002, quando o actual Primeiro-ministro José Sócrates era ministro do Ambiente. Relacionado com o mesmo caso, foi aberto um processo autónomo em Inglaterra que já foi arquivado por falta de elementos para proceder criminalmente contra os suspeitos. Em Portugal, a investigação já está concluída. Os magistrados titulares do inquérito estão agora a elaborar um relatório final sobre o processo, na sequência do qual será decidido se o caso vai para investigação ou se é arquivado. P.T.C.

Portucale

Início: Primavera de 2005

Tipo de crimes: Tráfico de influências, abuso de poder e falsificação de documento

Arguidos: 11, entre os quais, Abel Pinheiro, director financeiro do CDS/PP, três gestores do grupo Espírito Santo

Fase do processo: Debate instrutório dia 18 de Dezembro

O abate de sobreiros na Herdade da Vargem Fresca, em Benavente, motivou uma investigação que culminou com a acusação de 11 arguidos, entre os quais Abel Pinheiro, empresário e director financeiro do CDS/PP, e de três gestores do Grupo Espírito Santo, por alegada prática de tráfico de influências, abuso de poder e falsificação de documento. Na fase de inquérito o juiz do Tribunal Central de Instrução Criminal colocou sob escuta vários suspeitos, entre os quais Abel Pinheiro, acabando por captar, quase em tempo real, inúmeras informações relacionadas com aquele empreendimento, bem como a aquisição de dois submarinos e outros negócios do Estado sobre equipamento militar. Os conhecimentos fortuitos das escutas desvendaram também os bastidores das eleições para o cargo de grão-mestre da maçonaria e ainda que Paulo Portas teria levado consigo milhares de fotocópias de documentos do Ministério da Defesa Nacional quando saiu do governo. O caso dos submarinos teve há pouco uma primeira acusação e o do abate dos sobreiros está actualmente em instrução, com o debate final marcado para o próximo dia 18 de Dezembro. Duas tentativas goradas de afastamento do juiz de instrução implicaram uma paragem das diligências por um período superior a um ano. A.A.M.

Operação Furacão

Início: Outubro de 2005

Tipo de crimes: Suspeitas de evasão e fraude fiscal qualificada

Arguidos: 200

Fase do processo: As diligências já terminaram. Há já casos que foram arquivados, outros relativamente aos quais foi decidida a suspensão provisória do processo e outros que continuam em investigação.

A investigação que levou à chamada "Operação Furacão" iniciou-se em Março de 2004, com base em informação recolhida junto das autoridades fiscais do Reino Unido. Essa informação referia a existência de várias sociedades registadas na mesma morada que declaravam a emissão de facturas a sociedades registadas em Portugal. Em Outubro de 2005, por suspeitas da prática de evasão e fraude fiscal, fizeram-se buscas a quatro instituições bancárias: Banco Espírito Santo (BES), Banco Comercial Português (BCP), Banco Português de Negócios (BPN) e Finibanco e a várias empresas de assessoria fiscal, bem como a escritórios de advogados. Foi a maior investigação já realizada no campo da criminalidade económica. O fisco já conseguiu recuperar cerca de 75 milhões de euros. P.T.C.

Caso BCP

Início: Dezembro de 2007

Tipo de crimes: Burla qualificada, manipulação de mercado e falsificação da contabilidade

Arguidos: Cinco, entre os quais o fundador da instituição, Jardim Gonçalves, e quatro ex- administradores

Fase do processo: Em instrução no TIC de Lisboa

A alegada manipulação da contabilidade do Banco Comercial Português, entre 1999 e 2007, motivou a acusação de cinco ex-administradores,

Casa Pia

O mais longo julgamento pode durar "bastante mais tempo"

Por Paula Torres de Carvalho

Sete anos depois de ter sido denunciado e cinco após o início do julgamento, o chamado processo de pedofilia da Casa Pia continua a arrastar-se. Incidentes processuais atrasam o seu desfecho, enquanto aumentam os volumes do processo e a impaciência dos envolvidos

Os réus envelheceram, voltaram a trabalhar, alguns escreveram livros, outros casaram. Os queixosos cresceram, fartaram-se de polícias e de psicólogos, deixaram de ter segurança, procuraram endireitar a vida, houve um que tentou suicidar-se. O caso foi denunciado há sete anos. O julgamento da Casa Pia começou, faz hoje, cinco anos. E ainda se arrasta em tribunal, sem data marcada para a sentença. Para "desespero" de todos: vítimas, arguidos, advogados e magistrados.

Cansado de estar "preso" ao processo, entretanto considerado de "especial complexidade", o procurador João Aibéo, representante do Ministério Público no julgamento, resolveu aproveitar os intervalos para acusar carteiristas e assaltantes noutros julgamentos. "Para justificar o que me pagam e porque é o que gosto de fazer", explicou ao PÚBLICO.

Na 450.ª audiência realizada, na passada segunda-feira, no Tribunal de Instrução Criminal, no Campus da Justiça, em Lisboa, o colectivo de juízes presidido por Ana Peres deferiu algumas das alterações de factos (nuns casos totalmente, noutros parcialmente) propostos pelo Ministério Público. Traduzindo: aceitou a proposta do procurador que considera que as datas e os locais onde terão ocorrido os abusos sexuais a ex-alunos da Casa Pia foram outros, diferentes dos que foram apresentados em tribunal. Para já, a juíza aceitou sete das 40 alterações que Aibéo propôs durante as alegações finais que apresentou ao tribunal, no ano passado. Já então se dizia que o julgamento estava na "recta final". Essas alterações dizem respeito a factos de que estão acusados quatro dos sete arguidos: Carlos Silvino, Jorge Ritto, Manuel Abrantes e Ferreira Diniz.

O tribunal marcou nova audiência para o próximo dia 14, anunciando a eventualidade da comunicação de novas alterações. O que quer dizer, segundo o advogado da Casa Pia, Miguel Matias, que o tribunal poderá entender "que os factos podem ter acontecido" e que os arguidos poderão ser condenados.

Os advogados desses arguidos têm agora 25 dias para apresentar a sua defesa e contraditar os factos introduzidos pelas alterações. Paulo Sá e Cunha, advogado de Manuel Abrantes, protesta: as alterações deviam ter sido produzidas "antes das alegações finais".

Também Joaquim Moreira, advogado de Jorge Ritto, refere "irregularidades" no que respeita às alterações, tendo requerido a audição de novas testemunhas: todos os porteiros e moradores do edifício apontado como o local onde Ritto terá abusado de um jovem casapiano.

Todo este processo de produção da chamada prova complementar relativa a períodos e locais onde terão ocorrido os abusos sexuais indica que o julgamento está muito mais longe do fim do que se julgava. Ricardo Sá Fernandes, advogado de Carlos Cruz, disse aos jornalistas, no final da última audiência, que "infelizmente" o julgamento deverá durar "bastante mais tempo".

"Cinco anos é muito tempo", considera também Miguel Matias. "É desesperante para as vítimas, para quem quer justiça, para quem está a ser julgado".

Às alegações finais dos advogados e do Ministério Público, no ano passado, habitualmente proferidas no final dos julgamentos, seguiram-se contra-alegações e réplicas, alegações complementares e declarações finais de arguidos. E outro ano passou.

O julgamento foi mudando de sítio. Até chegar ao Campus da Justiça, passou, nos últimos cinco anos, primeiro pelo Tribunal da Boa-Hora, depois pelo Tribunal Militar de Santa Clara e, a seguir, pelo Tribunal de Monsanto. O processo cresceu e já ultrapassa as 60 mil folhas, entre as quais se incluem os milhares de requerimentos que, tantas vezes, atrasaram o andamento do julgamento.

Mais de mil pessoas, entre testemunhas e peritos, prestaram depoimento ao longo das audiências. E o tribunal teve de apreciar os registos sonoros e audiovisuais de centenas de cassetes.

Os jovens ex-alunos da Casa Pia que acusam os arguidos de terem abusado sexualmente deles foram ouvidos, no tribunal, à porta fechada. Antes, relataram e repetiram a sua história a assistentes sociais, a polícias, a peritos e a psicólogos. Até se ter estabelecido na lei a gravação para memória futura para este tipo de casos, tendo em conta a protecção das vítimas, de forma a que tenham de relatar os factos apenas uma vez.

Nas suas declarações finais ao tribunal, com excepção do arguido principal, Carlos Silvino, que se confessou culpado, todos os restantes seis arguidos reclamaram a sua inocência e manifestaram a sua revolta ao tribunal, salientando como a sua vida foi prejudicada por este processo.

O ex-provedor da Casa Pia Manuel Abrantes referiu, nas suas alegações, que há sete anos a sua vida "é um Inferno".

Carlos Cruz, apresentador de programas televisivos, jurou a sua inocência e garantiu não ter qualquer tendência para a homossexualidade ou pedofilia.

O médico Ferreira Diniz, que, depois de ter estado em prisão preventiva, voltou a exercer medicina, manifestou a sua grande "indignação" pela forma como foi envolvido no processo e pelas consequências que isso teve sobre a sua família e disse que nunca perdoará à comunicação social e às autoridades judiciais.

O embaixador Jorge Ritto salientou como a sua "vida social e profissional" foi "destruída" e atribuiu culpas à "campanha voraz" levada a cabo pela comunicação social.

Gertrudes Nunes, antiga ama da Segurança Social, dona da casa de Elvas indicada como um dos locais onde ocorreram os abusos sexuais, disse desconhecer "como isto chegou" a sua casa.

Quanto ao advogado Hugo Marçal, jurou a sua inocência em nome da mãe e do filho e disse que "nenhum psicólogo" conseguirá apagar o "sofrimento atroz" de ser arguido naquele que é já o mais longo, complexo e caro processo da história judicial portuguesa.

Face oculta, Cronologia do caso das escutas

Escutas ao primeiro-ministro

DIAP de Aveiro mantém os CD que Supremo mandou destruir

16.11.2009 - 08:10 Por José Augusto Moreira, Paula Torres de Carvalho, Mariana Oliveira


A ordem de destruição dos CD com as gravações das conversas telefónicas entre Armando Vara e o primeiro-ministro, José Sócrates, não foi ainda cumprida. Apesar da ordem do presidente do Supremo ser de Setembro, os registos mantêm-se no processo e há dúvidas sobre se a decisão deverá ser cumprida.

Nelson Garrido



A 3 de Setembro, o presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Noronha Nascimento, emitiu um despacho determinando a destruição, que o procurador-geral da República enviou para o DIAP de Aveiro.

A Polícia Judiciária - a quem caberá executar a destruição - ainda não recebeu um ofício selado do juiz de instrução criminal de Aveiro.

Aliás, este mesmo magistrado colocou há dias no seu site (www.lugardotrabalho.com) um acórdão do Supremo Tribunal a fixar jurisprudência sobre a matéria. A decisão estabelece que, "durante o inquérito, o juiz de instrução criminal pode determinar, a requerimento do Ministério Público, a transcrição e junção aos autos das conversações e comunicações indispensáveis para fundamentar a futura aplicação de medidas de coacção".

Destruir ou não as gravações está a dividir os especialistas. O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, por exemplo, defende a conservação de escutas nestes casos, como lembrou ontem Marcelo Rebelo de Sousa.

Uma das razões em defesa da conservação dos CD é o facto de, além de Sócrates, as gravações envolverem Vara, ex-secretário de Estado da Administração Interna e até este caso administrador do BCP, que é central na investigação do caso Face Oculta, e que poderá vir a querer fazer uso legal delas.

Além disso, as escutas a Vara estavam legalmente autorizadas e não há qualquer problema processual que as possa afectar. É por isso que alguns juristas defendem que a ordem do presidente do Supremo é inexequível e poderia constituir até um privilégio ilegal para Vara, que estaria a ser beneficiado apenas por o seu interlocutor ser o primeiro-ministro, como já defendeu o penalista Paulo Pinto de Albuquerque.

Também tem sido defendido pelos juristas a necessidade de preservar em envelope lacrado todas as escutas, mesmo as aparentemente irrelevantes, até ao final do processo, não só no interesse da investigação, mas também como um direito que não pode ser retirado aos arguidos.

As escutas podem vir a revelar-se importantes face a factos ou acontecimentos que possam vir a surgir ou ser aproveitadas pelos arguidos para defender os seus pontos de vista. É o caso do próprio Vara, que poderá vir a querer usar as suas próprias afirmações registadas para contrariar ou desmontar acusações que lhe possam vir a ser feitas.

A defesa do juiz

No sábado, através de um esclarecimento público, o STJ frisa que "a execução do despacho [de Noronha Nascimento] cabe tão-só à autoridade judiciária que dirige o inquérito, ou seja, à Procuradoria-Geral da República". Esta teve, aliás, o cuidado de mencionar no comunicado divulgado horas depois que tinha solicitado já, a 30 de Outubro, ao procurador-geral distrital de Coimbra, diligências para destruir as escutas. Vara será submetido depois de amanhã ao primeiro interrogatório no DIAP de Aveiro, no final do qual o juiz de instrução lhe fixará as medidas de coacção.

Para já, uma coisa é certa: o MP já deixou passar todos os prazos para apresentar reclamações (para o Pleno do STJ) ou recursos (para o Tribunal Constitucional), sobre a decisão de Noronha Nascimento.

Cronologia do caso das escutas

Março (vários dias) - Escutas da PJ no caso Face Oculta registam telefonemas entre Armando Vara e José Sócrates. As conversas que o DIAP de Aveiro considerou mais relevantes versam sobre a venda da TVI e questões financeiras do grupo Global Notícias.

24 Junho - Depois de várias conversas sobre a matéria, o procurador-geral, Pinto Monteiro, reúne-se (11h00) com o procurador distrital de Coimbra e o procurador do DIAP de Aveiro, para decidir o que fazer às escutas em que aparece José Sócrates.

24 Junho -Questionado no Parlamento, Sócrates diz nada saber sobre o negócio da PT para a compra da TVI aos espanhóis da Prisa. A líder do PSD, Manuela Ferreira Leite, diz não acreditar que esteja a falar verdade.

25 Junho - Presidente da República quer que a PT explique o que se está a passar com o negócio da TVI.

25 Junho - Prisa recua na demissão de José Eduardo Moniz, depois de antes ter anunciado que tinha tudo acertado com ele para deixar a direcção da TVI.

26 Junho - DIAP de Aveiro remete ao procurador-geral a primeira certidão.

26 Junho - Primeiro-ministro anuncia que mandatou o ministro da Obras Públicas para comunicar à PT que o Estado vetaria o negócio de compra da TVI.

3 Julho - DIAP de Aveiro remete a segunda certidão. Acompanham-nas 23 CD com gravações de escutas, seis das quais envolvem José Sócrates.

23 Julho - Pinto Monteiro decide remeter as escutas ao presidente do STJ, suscitando a questão da sua validade.

24 Julho - PGR recebe mais duas certidões, acompanhadas por 10 CD.

5 Agosto - Presidente do STJ, Noronha Nascimento, recebe, em mão, o dossier relativo às duas primeiras certidões.

3 Setembro - Presidente do STJ decide não validar a gravação e transcrição das escutas, julga nulo o despacho do juiz de Instrução de Aveiro sobre a extracção de cópias da gravações e ordena a destruição de todos os suportes.

10 Setembro - PGR recebe mais duas certidões, acompanhadas de cinco CD.

9 Outubro - PGR recebe mais uma certidão e dois CD.

30 Outubro - Pinto Monteiro pede informações e elementos complementares ao DIAP de Aveiro e ordena o cumprimento da decisão do presidente do STJ.

2 Novembro - PGR recebe mais uma certidão.

11 Novembro - Manuel Ferreira Leite exige, no Parlamento, que o primeiro-ministro preste esclarecimentos públicos sobre o conteúdo das escutas.

13 Novembro - Semanário Sol afirma que "Sócrates mentiu ao Parlamento sobre a TVI". Primeiro-ministro diz que "isto está a passar das marcas" e exorta Pinto Monteiro a esclarecer o país.

13 Novembro - Procurador-geral recebe as informações e elementos complementares. Incluem relatórios e 146 conversações/comunicações, cinco delas respeitantes ao primeiro-ministro

14 Novembro - Comunicado do procurador-geral dando conta de todos os passos da questão das certidões e de que não encontrou, nas duas primeiras, "indícios probatórios que levassem à instauração de procedimento criminal". Promete uma "análise global" até ao final desta semana.

José António Contradanças, PS, Face Oculta, EMPORDEF, Indústria de Desmilitarização da Defesa (IDD)


A Moção Sectorial " O Desenvolvimento Humano " foi aprovada , no dia 12 de  Novembro de 2006, em Santarém, no XV Congresso Nacional do PS.  Com a expressão "uma floresta", o Presidente da Mesa do Congresso, Almeida Santos, traduziu as largas centenas de braços no ar que expressaram o voto favorável à Moção que teve como primeiro subscritor Vitor Ramalho.

A Moção Sectorial " DESENVOLVIMEMTO  HUMANO " que visa , a partir da concepção do que deve ser o posicionamento nacional de futuro, elevar  o Distrito de Setúbal, na construção da sua  afirmação regional e da sua mais valia para Portugal, contou, ainda, com a subscrição de muitos militantes e delegados do Distrito de Setúbal e mesmo de fora dele. De entre os delegados referem-se Alberto Arons de Carvalho (Almada), Alexandre Rosa (Santiago do Cacém), Ana Catarina Mendes (Almada), Ana Isabel dos Santos (Barreiro), Ana Maria Vasconcelos (Almada), António José Filipe dos Santos (Palmela), Arnaldo Frade (Ermidas do Sal), Carlos Dantas (Costa de Caparica), Carlos Silva (Sines), Carlos Soares (Baixa da Banheira), Carlos Trindade (Sesimbra), Eduardo Cabrita (Barreiro),Elsa Marisa A. Leite (Costa de Caparica), Eurídice Pereira (Moita), Gaspar Silva Santos (Palmela), Hélder Pinhão (Baixa da Banheira), Isabel Pires Jorge (Póvoa do Lanhoso), Joana Lima (Trofa),João Cravinho (Estoril), João Marcelino (Grândola),João Serrano (Alfragide),José António Contradanças (Setúbal), Licínia Barata Rafael (Almada), Luis Gonelha (Setúbal), Manuel Borges (Moita), Maria de Fátima Aguiar Lopes (Setúbal),Maria de Lurdes Cunha (Seixal),Maria Isabel Catarino (Moita),Maria José Esteves (Almada), Maria José Gamboa (Vila Nova de Gaia),Maria Madalena Alves Pereira (Barreiro) , Rui Mourinha ( Moita ), ….



Face oculta, os nomes

31 OUT 09
Operação Face Oculta

A corrupção e o tráfico de influências junto do Governo e das empresas públicas. Leia tudo o que o MP diz sobre a 'Operação Face Oculta'
 


Manuel Godinho, presidente da empresa de tratamentos de resíduos envolvida no processo 'Face Oculta', beneficiou de uma extensa rede de gestores ligados ao PS para conseguir os melhores negócios em várias empresas participadas pelo Estado.

O DIAP (Departamento de Investigação e Acção Penal) do Baixo Vouga e a Polícia Judiciária (PJ) de Aveiro entendem ter provas de que Armando Vara, vice-presidente do Banco Comercial Português (BCP), juntamente com os gestores Lopes Barreira (Consulgal), Paiva Nunes (EDP Imobiliária), Paulo Costa (Galp) e António Contradanças (Empoderf), Carlos Vasconcellos (Refer), José Penedos (presidente da Rede Eléctrica Nacional) e Paulo Penedos (assessor da Comissão Executiva da PT) ajudaram de forma ilegítima Manuel Godinho e o seu grupo O2 a ganharem concursos públicos naquelas e noutras empresas.

A PJ entende que Armando Vara, Paulo Penedos, Paiva Nunes, Paulo Costa e Carlos Vasconcellos receberam avultadas contrapartidas financeiras e patrimoniais para 'abrirem as portas' daquelas empresas participadas pelo Estado às empresas de Manuel Godinho.

Vara e Lopes Barreira: figuras centrais

Armando Vara e Lopes Barreira são nomes centrais dessa «rede tentacular», segundo as palavras do DIAP do Baixo Vouga. Amigo de Vara e um dos fundadores da Fundação para a Prevenção e Segurança (polémica entidade que Vara criou enquanto secretário de Estado de António Guterres), Lopes Barreira tem um passado de ligação ao Partido Socialista, 'mexendo-se' muito bem nos corredores do poder. Em 1999 foi acusado pelo general Garcia dos Santos, então presidente da JAE (Junta Autónoma de Estradas), de o ter tentado pressionar para contratar militantes socialistas para os quadros daquela empresa pública. Anos antes, a Consulgal, de Lopes Barreira, tinha estado 'debaixo de fogo' por ter sido a autora do projecto de renovação da Linha do Norte – obra que, devido a vários erros de vários projectistas, teve um desvio financeiro de mais de 200 milhões de euros.

No processo 'Face Oculta', Lopes Barreira é dado como membro de uma «rede tentacular», que, «a troco de vantagens patrimoniais e/ou não patrimoniais» terá exercido a «sua influência junto de titulares de cargos governativos e políticos, titulares de cargos de direcção com capacidade de decisão ou com acesso a informação privilegiada, no sentido de favorecerem» as empresas de Manuel Godinho.

Contactos com governantes

Um mês depois, Lopes Barreira manifestou-se disponível a Godinho para falar com Jorge Coelho, presidente da Mota-Engil e ex-ministro de António Guterres, no sentido de lhe arranjarem trabalho para as suas empresas. Só em 2008, o grupo O2 facturou mais de 50 milhões de euros, quando no ano anterior não tinham ido além dos 24 milhões de euros.

Além de Coelho, Lopes Barreira afirmou a Godinho que possuía boas relações com o então ministro das Obras Públicas, Mário Lino (peça fundamental para desbloquear o conflito que a REFER tinha com Godinho) e com João Mira Gomes, secretário da Estado da Defesa. O empresário disponibilizou-se para falar com Gomes, seu amigo pessoal, para «espoletar o favorecimento do universo empresarial» do grupo O2 junto das empresas tuteladas pelo Ministério da Defesa, nomeadamente com os Estaleiros Navais de Viana do Castelo – empresa com a qual Godinho se queixava não ter relações comerciais.

Vara apresenta a Godinho administrador da EDP

Armando Vara, por seu lado, apresentou a Godinho um administrador da EDP Imobiliário, chamado Paiva Nunes – tendo alegadamente solicitado cerca de 10 mil euros em numerário como contrapartida que lhe foram entregues no seu gabinete do BCP, na Av. José Malhoa, em Lisboa. Paiva Nunes, segundo a PJ de Aveiro, terá favorecido as empresas de Godinho em diversos concursos lançados por aquela empresa. Paiva Nunes chegou a pedir a Manuel Godinho que lhe indicasse três empresas para uma consulta ao mercado que o grupo EDP iria realizar, ao que o líder da O2 indicou duas sociedades por si lideradas e um empreiteiro da sua confiança. O objectivo era claro: o grupo de Godinho ganharia o concurso.

Através do gestor da EDP (que chegou a ser candidato do PS à Câmara de Sintra), Godinho 'chegou' a Paulo Costa, director de Relações Institucionais da Galp. Costa, que é dado por Paulo Penedos como «amigo de Armando Vara», ligou a Manuel  Godinho no dia 3 de Junho de 2009 e discutiu com o gestor da O2 «pormenores capazes de possibilitar o favorecimento» da FRACON – Construção e Reparação Naval, Lda – uma das empresas do grupo O2.

Paiva Nunes e Paulo Costa receberam de Manuel Godinho dois veículos topo gama, tendo o primeiro recebido um Mercedes SL 500 (avaliado em 161 mil euros) e o quadro superior da Galp um Mercedes CL 65 (avaliado em mais de 280 mil euros). A PJ de Aveiro entende que os dois veículos são uma contrapartida pelas decisões dos dois gestores.

Gestor do PS apresenta 'colega' a Godinho

Paulo Costa apresentou a Godinho mais um gestor ligado ao PS: José António Contradanças. Ex-dirigente do PS e ex-administrador do Porto de Sines no tempo de Jorge Coelho como ministro das Obras Públicas, Contradanças é agora administrador de uma empresa do grupo EMPORDEF – holding estatal controlada pelo Estado através do Ministério da Defesa.

Contradanças ligou a Manuel Godinho no dia 5 de Junho de 2009, «dando-lhe conta que Paulo Costa lhe havia transmitido que estaria interessado em ser favorecido nos concursos e nas consultas públicas» na área dos resíduos industriais lançados pela empresa IDD – Indústria de Desmilitarização e Defesa, SA., lê-se no mandado de busca a que o SOL teve acesso.

A principal fonte na REFER

Carlos Vasconcellos, ex-administrador do grupo Refer, é mais um gestor público que alegadamente terá sido subornado por Manuel Godinho. Segundo a PJ, Vasconcelos terá recebido de Godinho cerca de 2.500 euros em numerário para que lhe «continuasse a fornecer informação privilegiada sobre o posicionamento, o pensar e o sentir da administração da Refer», segundo se pode ler no mandado das buscas realizadas na passada quarta-feira. Vasconcellos foi uma peça importante na tentativa de afastamento da administração liderada por Luís Pardal. O ex-administrador do grupo REFER, hoje simples funcionário, tinha sido afastado por Pardal depois de a empresa ter descoberto, através de um inquérito interno, o seu envolvimento nos alegados favorecimentos às empresas de Godinho nas adjudicações da gestora da rede ferroviária.


Défice de quase 9%, dívida pública de 91%

Economia
Portugal sai da crise com as contas públicas arruinadaspor Luís Reis Ribeiro, Publicado em 04 de Novembro de 2009
Défice de quase 9%, dívida pública de 91%. Economia e emprego estagnados. Teixeira dos Santos menos confiante no défice deste ano


Em 2011, Portugal sairá da estagnação e voltará a crescer (1%), diz a Comissão Europeia nas previsões de Outono, ontem divulgadas. Mas os contribuintes que se preparem: de 2011 inclusive em diante, terão de pagar a dívida enorme que ajudou a sanear a actual recessão e que, diz-se, ajudará a prevenir a recaída num novo ciclo recessivo. Quem, depois disto, conseguir manter o emprego agradece, uma vez que o desemprego vai manter-se em 9%, um recorde de décadas. Este panorama - desemprego alto e persistente, défices públicos em alta derrapagem e retoma insípida - é comum à maioria dos países europeus, mostra a Comissão.

No caso de Portugal, entre 2009 e 2011, a carga de impostos e contribuições deve aumentar 2,5 mil milhões de euros, mas tal será insuficiente para evitar uma explosão no défice orçamental. A despesa continuará a subir e muito. Este ano, o 'buraco' das contas públicas chegará a 8% do produto interno bruto (PIB), mas em 2011 já estará muito próximo de 9%.

Segundo as contas de Bruxelas, à luz das políticas actuais do governo PS, a dívida pública, que representa os encargos que terão se ser pagos no futuro, atingirá os 153,5 mil milhões de euros em 2011 ou 91% do PIB, um aumento de 50 mil milhões face a 2007, ano em que começou a crise. É alarmante dizem vários economistas.

Desde o início da década que a dívida pública, embora crescesse, esteve relativamente contida na casa dos 50% e 60% do PIB. Agora, depois da crise, os encargos que terão de ser pagos pelas gerações futuras agravam-se de forma dramática. É este dinheiro que está a ser e será usado para financiar os grandes investimentos que o Estado já tem no terreno e os que ainda pretende lançar, como o TGV e o novo aeroporto.

"É lamentável o que está a acontecer. Basicamente, é aquilo que sempre se fez: tentar crescer com base no endividamento", defende João Cantiga Esteves, professor de Economia do ISEG. "Que se implemente um plano anticrise muito calibrado e direccionado, tudo bem. Agora, os números da Comissão Europeia mostram que Portugal e os outros países estão a ir muito além do admissível. No caso de Portugal, sem resultados económicos visíveis. A estagnação do próximo ano e o crescimento de 1% em 2011 não chega para recuperar os empregos que se perderam nos últimos anos, nem para fazer baixar o desemprego", lamenta.

Entre o início da crise (2007) e 2011, Portugal registará uma destruição de 112 mil empregos. Só na anterior legislatura (2005 a 2009) o número de empregados na economia caiu 70,5 mil. Sócrates tinha estabelecido como meta criar 150 mil novos postos de trabalho. Em 2011, mesmo com um crescimento de 1%, o emprego vai estagnar, depois de dois anos consecutivos de perdas.

Paula Carvalho, economista do Banco BPI, também admite que "há coisas nas contas públicas que até podem melhorar com o tempo - o plano anticrise vai ser retirado aos poucos, a economia vai crescer um bocadinho mais e gerar mais receitas fiscais". A continuação da reforma da função pública e a contenção da despesa com salários é um dos vectores que pode ajudar a reverter a explosão do défice.

"Mas esta crise veio agravar os problemas estruturais que já existiam. O mais evidente é o da dívida pública. Mesmo que o governo ajuste algumas políticas para regressar à consolidação orçamental - e é expectável que o faça - a dívida e os juros que sobre ela incidem devem aumentar de forma expressiva", acrescenta a economista.

O professor universitário relembra que "falta ainda o pior: o BCE deve começar a subir taxas de juro no final de 2010, o que causará uma pressão devastadora na dívida e nos impostos", insiste.

Tudo indica que, em 2011, os portugueses começarão a sentir na carteira a segunda parte do custo da crise. O governador do Banco de Portugal, Vítor Constâncio, e o consenso dos ministros das Finanças europeus, pedem que os governos tenham cuidado a retirar as medidas de estímulo orçamental para que os países não deslizem de novo para uma recessão. A "retirada prematura de qualquer estímulo orçamental com o início de esforços superiores de consolidação orçamental" é um dos maiores riscos actuais.

Os aumentos "deliberados" de despesa para acudir a famílias e empresas, como ontem referiu o ministro das Finanças, Fernando Teixeira dos Santos, foi crucial para segurar a economia.

Mas o caminho de saída já está a ser pensado. "Portugal necessita de uma estratégia de médio prazo, como estava a fazer antes da crise, de consolidação das contas públicas, porque o nível do endividamento está a aumentar mais uma vez rapidamente", alertou ontem em Bruxelas, Joaquín Almunia, o comissário europeu para os assuntos económicos.

Face Oculta, a rede

Caso "Face Oculta"
Rede montada por empresário Manuel Godinho envolvia contactos de alto nível
02.11.2009 - 12:11 Por Lusa

O empresário Manuel José Godinho montou uma rede tentacular que envolvia antigos titulares de cargos governativos, funcionários autárquicos e de empresas públicas e militares da GNR, segundo o despacho judicial da operação Face Oculta, revela fonte ligada ao processo.

Assim, e depois de quase um ano de investigações da PJ, o Ministério Público (MP) de Aveiro concluiu que o empresário de Ovar tinha montado uma teia de interesses que envolvia contactos com responsáveis das maiores empresas nacionais com capitais do Estado, nomeadamente REN (Rede Eléctrica Nacional), REFER, CP, EDP, Petrogal, Estradas de Portugal e Indústria de Desmilitarização e Defesa (IDD), empresas privadas, como Lisnave e Portucel, e autarquias.

A investigação culminou quarta-feira com a detenção do empresário, que se encontra em prisão preventiva, e a constituição de mais 13 arguidos.

O vice-presidente do Millemium BCP Armando Vara, o presidente da REN, José Penedos, e o seu filho Paulo Penedos são suspeitos de fazerem parte dessa rede montada pelo empresário que, mediante contrapartidas - presentes, alguns de valor avultado -, conseguiu benefícios para os negócios das suas empresas na área da selecção, recolha e tratamento de resíduos.

Também faziam parte do "esquema" funcionários da REFER, militares da GNR, o administrador da EDP Domingos Paiva Nunes e António Paulo Costa, alto quadro da Petrogal, entre outros.

Armando Vara, ex-secretário de Estado da Administração Interna, por exemplo, recebeu alegadamente dez mil euros para facilitar um negócio entre Manuel José Godinho e a EDP, através de Paiva Nunes, vogal do conselho de administração da EDP Imobiliária, presenteado com um carro de alta cilindrada.

O advogado Paulo Penedos também terá usufruído de contrapartidas financeiras para "abrir portas" ao empresário na REN, empresa da qual o seu pai, José Penedos, é presidente - tendo este recebido vários presentes, alguns de valor considerável -, e para ajudar Manuel José Godinho a resolver um conflito com a REFER.

Com este esquema, defende a investigação, o empresário pretendia ter acesso a informação privilegiada das empresas, garantir que era o principal candidato à adjudicação de contratos de prestação de serviços ou garantir que a consulta pública fosse feita apenas a empresas suas.

Em causa estão suspeitas de crimes de corrupção, tráfico de influências, branqueamento de capitais e fraude fiscal na compra e venda de sucata de material ferroviário e num negócio de facturas falsas, segundo a fonte. Os alegados actos de corrupção passaram por pagamentos em dinheiro, carros de alta cilindrada ou mesmo sacos de cimento, acrescentou.

No despacho judicial há ainda relatos de Manuel José Godinho, que fala na necessidade de afastar pessoas que não alinhavam no esquema, concretamente o presidente da REFER, Luis Pardal.

A PJ fez buscas a mais de 30 locais por todo o país além de escutas telefónicas e apreensão de documentos. Dos 14 arguidos, apenas Manuel José Godinho foi ouvido pelo juiz, prosseguindo quinta-feira a audição dos restantes.

Editorial nova redacção do Público

Editorial
Um novo começo
01.11.2009 - 07:00 (Bárbara Reis, suponho)

O PÚBLICO inicia hoje uma nova etapa da sua história. Quase 20 anos depois do primeiro dia, uma nova direcção, um novo começo. Um tempo mais difícil, também.

Há 20 anos, tivemos a ousadia de em Portugal seguir os paradigmas da grande imprensa europeia e conseguimos ser hoje uma referência sem paralelo na imprensa diária portuguesa.

Os ideais originais estão vivos - qualidade e rigor, distanciamento, independência e integridade. Olhamos para o jornalismo como parte nuclear da democracia e da liberdade e vamos exercê-las informando, questionando e investigando. Podemos escolher as palavras justas em nome da convicção com que as sustentamos - convicção num jornalismo forte, profundo e livre. Isso é fácil. A confiança no jornalismo, no entanto, já viveu melhores dias.

O fundador deste jornal, Vicente Jorge Silva, disse num texto recente que a credibilidade da imprensa de referência ficou seriamente afectada pelos incidentes que rodearam a última campanha para as legislativas. Um balanço duro, mas uma conclusão lúcida.

Não temos nada a acrescentar a uma polémica sobre a qual tudo está dito e da qual não ficaremos reféns. A razão de estarmos aqui hoje é anterior a tudo isso. Mas não escamoteamos o facto de ser nossa primeira obrigação repor essa credibilidade ameaçada, conscientes que estamos da percepção pública de um excesso de peso ideológico no jornal. Acreditamos num jornalismo culto e responsável, que desafia o sensacionalismo e as agendas informativas cada vez mais estreitas.

O leitor encontrará a partir de hoje pequenas diferenças através das quais queremos exprimir este novo começo. Não mudaremos a linha gráfica apenas para dizer que chegámos e somos diferentes - acreditamos mais na substância das coisas do que na forma; é pela substância que queremos afirmar-nos.

Os editoriais, a partir de hoje, deixarão de ser assinados. Os editoriais expressarão o pensamento desta direcção e deste jornal sobre o mundo que procuramos descrever, compreender e analisar página a página. Não queremos doutrinar nem vender receitas. Queremos interrogar o mundo. Daremos expressão a todos os pontos de vista, mas afirmaremos os nossos. Os editoriais serão escritos pelo novo Gabinete Editorial, composto pela direcção e mais cinco jornalistas do PÚBLICO - Teresa de Sousa, Jorge Almeida Fernandes, Margarida Santos Lopes, Ricardo Garcia e Vítor Costa. Há 20 anos, quando nascemos, foi decidido que os editoriais seriam assinados com base em duas ideias: seriam mais acutilantes e comprometeriam apenas o seu autor. Hoje sabemos que essa ideia original se tornou utópica e que um editorial compromete todo o jornal - é a cara do jornal - e não pode, por isso, ser veículo da opinião de uma só pessoa. Acreditamos, também, que é possível escrever editoriais incisivos, com pontos de vista corajosos e provocadores, que questionem e mobilizem a sociedade. Os novos editoriais do PÚBLICO, são, portanto, textos de opinião do jornal como instituição. A mesma filosofia será aplicada à secção Sobe e Desce. 

Não serviremos governos, nem procuraremos certificados de bom comportamento. Prosseguiremos uma nova etapa do caminho, no respeito pelos valores que nos guiam desde o primeiro dia.

Queremos garantir a sustentabilidade do PÚBLICO como projecto de referência, desenvolver novas plataformas de intervenção editorial, trabalhar para elevar os padrões e sermos líderes no rigor, na reportagem, na análise, na crítica cultural e na opinião. Vamos estar obcecados com a isenção, a investigação, a profundidade e os temas de proximidade (e para isso vamos criar um caderno Cidades, que sairá aos domingos).

Não queremos inflacionar as expectativas, queremos corresponder aos leitores. Sabemos que o PÚBLICO é o jornal dos leitores exigentes, curiosos e atentos, das pessoas que pensam e que querem que o seu jornal seja um instrumento para pensar mais. Os nossos leitores - 250 mil por dia - são pessoas que sabem e que querem saber mais. São os melhores - e os mais severos - leitores.

José Manuel Fernandes - editorial de saída do Público

Editorial: Das bombas de Bissau ao adeus à cadeira do director
31.10.2009 - 14:54 Por José Manuel Fernandes

"Preciso de lhe falar. Quando é que volta a Lisboa?"

Voltar a Lisboa? Mas acabara de chegar para render o anterior enviado do PÚBLICO, ninguém sabia quanto tempo duraria o conflito, o aeroporto estava fechado, só montar a viagem de regresso seria uma enorme incógnita...

"Tem de ser. Antes do fim do mês."

Perdi a timidez e perguntei se era para ouvir a minha opinião sobre o PÚBLICO e uma solução para a sua direcção. Se fosse para isso, não valia a pena eu regressar, dar-lha-ia pelo telefone. Não era. Era para saber se eu estava disponível para ser o director. 

Nessa altura, um enorme estrondo fez abanar o edifício da RTP em Bissau, mas não interrompemos a conversa. Combinámos que veria como poderia regressar e depois lhe falaria. Tudo por entre o ruído de explosões de granadas de artilharia. Até que, antes de nos despedirmos, me perguntou: "Isso são tiros?" Eram. Então...

"Coragem."

Pousei o telefone, sentei-me no chão e, face ao olhar incrédulo de Cândida Pinto, da SIC, disse apenas: "Não vais acreditar quando te contar o telefonema que recebi."

Passaram mais de onze anos e lembrei-me muitas vezes desse voto de Carlos Moreira da Silva. Não por ter tido, de novo, a oportunidade de cobrir um conflito militar. E também não pelo que, como director do PÚBLICO, me coube fazer, impulsionar, estimular ou dirigir.

Este foi - e continuará a ser - o grande projecto profissional da minha vida. 

Pela ambição que desde o início teve, a ambição de fazer em Portugal um diário de qualidade como os grandes diários europeus, algo só possível pela reunião entre uma equipa então liderada por Vicente Jorge Silva e um empresário como Belmiro de Azevedo. E enganam-se todos os que ainda hoje pensam que este jornal só sobreviveu graças ao músculo financeiro da Sonae: este jornal triunfou e é o que é porque a Sonae e a família Azevedo - o Belmiro, o Paulo, a Cláudia -, desde a primeira hora, entenderam que qualidade implicava independência e, para além de darem toda a liberdade editorial, nunca cederam a quem, em muitos e diferentes momentos, quis que influenciassem a orientação do PÚBLICO. 

Pelas oportunidades que aqui tive - e a maior de todas foi ter podido conviver e trabalhar com muitos dos melhores jornalistas portugueses, foi ter podido ver nascer e crescer muitos dos nomes que hoje fazem a diferença na profissão. Os que estão no PÚBLICO e os que saíram do PÚBLICO, ainda todos parte de uma grande família que mesmo a passagem por muitos momentos difíceis nunca desarticulou. 

Pela exigência que sempre colocámos em tudo quanto fizemos, mesmo nos projectos que nunca chegaram tão longe quanto desejámos. Exigência editorial, marca de água desta casa. Mas também exigência como projecto empresarial, pois a Sonae, correctamente, nunca desistiu de conjugar o sucesso editorial com o sucesso empresarial. 

Nos momentos de euforia e nas curvas mais difíceis de toda a sua história, e em particular nestes últimos onze anos, quando havia dúvidas, opções a tomar, riscos a correr, nunca senti que a palavra-chave fosse "coragem", antes determinação, abertura para ouvir todas as opiniões, preocupação em agir com a justiça e rectidão nos sempre complexos processos de mudança e reestruturação.

Se posso dizer que dei o meu melhor, sei que recebi muito mais de todos com quem trabalhei, a todos os níveis, do accionista ao mais jovem dos jornalistas da equipa do PÚBLICO.

Coragem para se ter estes privilégios? Não, as bombas de Bissau eram mais perigosas. 

Coragem, como por vezes me pediam leitores com que me cruzava na rua, por o PÚBLICO ser como é e eu sempre ter escrito o que pensava? Essa "coragem" seria mais necessária noutros tempos, não quando vivemos em liberdade.

É mesmo condição de vitalidade de uma democracia aberta ter jornais que publicam histórias incómodas, e directores que escrevem textos controversos. E também foi para isso que, quando nasceu, em 1990, o PÚBLICO escreveu no seu Estatuto Editorial que era - e foi, e será - "um projecto de informação em sintonia com o processo de mudanças tecnológicas e de civilização no espaço público contemporâneo" e "um diário de grande informação, orientado por critérios de rigor e criatividade editorial, sem qualquer dependência de ordem ideológica, política e económica".

Ora ter um papel central no espaço público contemporâneo implica não se estar limitado por preconceitos ou temas-tabu. Por isso o PÚBLICO nunca pesou notícias em função da sua "conveniência" ou "oportunidade", antes avaliou-as em função do seu interesse público e do cumprimento das normas de rigor que regem a profissão de jornalista. Nunca evitou, em nome da relevância de uma investigação ou da pertinência de uma opinião, correr o risco de perturbar a tranquilidade dos poderes instalados. Nem nunca fugiu a uma controvérsia mesmo quando esta cruzava as próprias páginas do jornal. 

Em 2005, no prefácio à 2.ª edição do Livro de Estilo, escrevi que "a capacidade de surpreender, entrar em áreas aparentemente interditas ou ter a sensibilidade para trazer para as suas páginas casos humanos relatados com elegância, profundidade e sem inútil voyeurismo distingue-nos quer da imprensa oficiosa, quer da sensacionalista". O que sempre constituiu um desafio quotidiano para todos os jornalistas, editores e directores que, ao longo dos anos, fizeram do PÚBLICO o que o PÚBLICO é hoje.

Eu, que hoje me despeço dos leitores enquanto director, fui apenas um dos que enfrentaram esses inúmeros desafios - com mais responsabilidades nos erros e nos sucessos, mas apenas um entre muitos.

Talvez por isso mesmo a minha primeira preocupação nestes onze anos tenha sido a de manter-me fiel a essas linhas iniciais do Estatuto Editorial. 

Assim inovávamos, e inovámos muito. O enorme sucesso do publico.pt está aí a atestá-lo. Tal como os produtos originais, disruptivos, que fomos criando e nos obrigaram sempre a reflectir sobre como estar mais perto dos leitores. Não tivemos medo de mudar - mas nunca caímos na tentação de mudar apenas por mudar, pois se as tecnologias permitem muitas inovações, estas só fazem sentido ao serviço dos leitores e da cidadania em geral.

Daí também nunca ter receado o pluralismo, a controvérsia, o contraponto franco e aberto de posições diferentes. O sempre ter acreditado na inteligência dos leitores e na sua capacidade para avaliar argumentos contraditórios e olhares diversificados, razão por que o valor de uma reportagem ou de uma opinião é maior quando esta é clara, frontal, capaz de reflectir os limites das diferenças nos pontos de vista em vez de os dissolver com receio de ferir susceptibilidades. 

É isso que faz do PÚBLICO um projecto comum de pessoas que têm, do mundo, visões muito diferentes, pois sempre fiz questão que se apreciasse a diversidade e se ampliassem os espaços de liberdade.

Interrogar-se-ão muitos leitores por que decidi pedir para deixar de ser director. Sem falsas humildades, assumo que se sempre pensei ser uma obrigação de quem ocupa lugares de responsabilidade ter a coragem de sair quando percebe que outros podem fazer melhor, eu próprio não podia actuar de forma diferente.

Tenho 52 anos e, espero, ainda muitos anos de vida profissional pela frente. Mas, ao fim de 20 anos com responsabilidades directivas no PÚBLICO, estes últimos onze como director, senti que já não era a melhor pessoa para continuar a mobilizar a 120 por cento (a 200 por cento?), 363 dias por ano, 24 horas por dia, todas as vontades e todos os esforços necessários para tornar o jornal todos os dias melhor, para que todos os dias ele esteja à altura do que esperam os seus leitores e do papel que, como jornal livre num país que se quer livre e com uma cidadania informada e activa, o PÚBLICO tem de continuar a desempenhar. 

Não foi uma decisão fácil. Nem foi fácil tê-la tomado em Maio mas sentido que devia manter-me em funções até que terminasse um ciclo eleitoral que então ainda não se iniciara. Mas entendi que tinha esse dever para com a equipa do jornal, para com quem me substitui, para com o accionista e, sobretudo, para com os leitores.

Volto agora a ser jornalista desgraduado. Não deixarei por isso de - e, perdoem-me a ousadia, peço por empréstimo a expressão a esse gigante que foi Raymond Aron - continuar a tentar ser um "espectador empenhado" dos nossos destinos colectivos.

E o PÚBLICO, a que continuarei ligado, fica nas boas mãos da sua extraordinária equipa.