Rui Pedro Soares: "Não sou amigo íntimo de José Sócrates"
por André Macedo, Publicado em 20 de Fevereiro de 2010
Após as buscas na Portugal Telecom (PT), Rui Pedro Soares renunciou ao cargo de administrador da operadora na quarta-feira e nesse mesmo dia recebeu, através de e-mail, as perguntas do i. Ontem, às 21h24 as respostas chegaram, também por e-mail.
Demitiu-se uma semana depois de o “Sol” ter publicado as escutas que o envolvem. Sentiu-se apoiado pelos seus agora ex-colegas de administração da PT ou sentiu que era o elo mais fraco e que não tinha alternativa?
Em primeira linha, o exercício de funções pelo administrador duma sociedade depende dos accionistas, além, é claro, da sua própria vontade em permanecer no cargo. Nenhum accionista da PT me transmitiu a sua falta de apoio. A respeito do dr. Granadeiro e do eng.º Zeinal, saliento que na sua apreciação do meu pedido de renúncia referiram o empenho e o profissionalismo com que sempre exerci as minhas funções. Permita-me ainda que lhe cite uma declaração conjunta de ambos de que os motivos da minha saída foram os que constam da minha declaração de renúncia, ou seja, para poder preparar a minha defesa sem quaisquer constrangimentos e para que a minha presença nos órgãos sociais da PT não pudesse servir para lesar a imagem e a reputação do grupo PT.
Porque motivo interpôs a providência cautelar para impedir a publicação das escutas? Não receou que esse comportamento acabasse por se virar contra si, aumentando as suspeitas e empolando ainda mais o caso?
As pessoas de boa fé que se consigam abstrair do ruído mediático perceberão o que vou dizer. Pela providência cautelar, pedi aos tribunais que decidissem se a publicação das escutas telefónicas respeitava a lei ou não. Até hoje, já li nos media dezenas de respostas a esta pergunta, mas existe uma única decisão de mérito dum tribunal sobre esta questão e foi no sentido de que essa publicação violou a lei. Repito: uma decisão judicial, a única proferida até hoje sobre o mérito deste assunto, determinou que a publicação das escutas violou a lei. Também li nos jornais que quer o sr. procurador-geral da República, quer o Ministério Público de Aveiro abriram processos crime por causa da publicação dessas escutas, e que o juiz do processo Face Oculta disse a um jornal que entendia que as escutas estavam em segredo de justiça. Por outro lado, no meu primeiro comunicado sobre o assunto, que dirigi à “Lusa”, disse que esperava, porventura em vão, que a rapaziada do “Sol” cumprisse uma decisão judicial. Essa rapaziada publicou um comunicado dizendo que ia desobedecer a essa decisão judicial, e de caminho fugiu a receber uma notificação do Tribunal. E aconteceu que políticos que até então faziam profissões de fé em que as decisões dos tribunais devem ser respeitadas se esquecessem disso a propósito desta decisão. De todos os responsáveis políticos alheios ao PS que prestaram declarações sobre o assunto, só me lembro dum deputado do CDS a afirmar esse princípio. As declarações sobre este assunto de alguém que há poucos anos era Ministro da Justiça também merecem ser lidas e relidas. A providência cautelar fez cair a peruca a muita gente. Acredita que estou arrependido?
Vai processar o “Sol”?
Tem alguma dúvida?
Com quem se aconselhou para avançar com a providência? Falou com alguém do governo?Quanto à pergunta sobre alguém do governo, desculpe mas tomo-a por brincadeira de Carnaval. Quanto ao resto, não sou advogado.
Nesta semana, Zeinal Bava não fez um único comentário em sua defesa e Granadeiro mostrou-se muito desconfortável – a expressão foi “encornado”. Em algum momento falou com algum dos dois sobre esta questão? O que foi dito nessas conversas?
Aí está enganado. O dr. Granadeiro e o eng.º Zeinal já elogiaram publicamente o meu empenho e profissionalismo no exercício das funções de administrador, e um dia depois da minha saída disseram que as razões dessa saída eram as que constam na minha declaração da renúncia, ou seja, passar a ter a liberdade de que necessito para preparar a minha defesa, que não teria se continuasse a ser administrador da PT, e também por entender que nas actuais circunstâncias a minha continuação como administrador serviria para que gente de má fé prejudicasse a PT.
Zeinal Bava e Granadeiro têm condições para continuar na PT?
Não percebo o que pode motivar alguém a fazer esta pergunta, e muito menos que sentido faz ser-me dirigida a mim.
Qual é a sua relação com o primeiro--ministro? Quando o conheceu? Com que regularidade lhe fala? Tem acesso directo e fala ao telemóvel com José Sócrates?Não somos amigos íntimos. Conheci-o em 2004. Fomos apresentados pelo Sérgio Sousa Pinto. Há alturas em que falamos com muita frequência. Olhe, só para exemplo, pode acontecer que durante um jogo de futebol falemos cinco ou seis vezes. Mas há períodos em que passamos meses sem nos falarmos. Não tenho acesso político ao primeiro-ministro e não faço parte de nenhum círculo político do eng. José Sócrates, se é que esse círculo existe.
Nas escutas parece ficar claro que havia mesmo a intenção de a PT funcionar como braço do governo para controlar a TVI e outros grupos de media. Como comenta?
É sabido que considero que a publicação das escutas viola as regras legais sobre o segredo de justiça, e que por isso é crime. Já li na imprensa que o procurador-geral da República e o Ministério Público de Aveiro abriram processos-crime por causa da publicação dessas escutas, processos esses que acompanharei com muita atenção. Aliás, disse aos meus advogados que me quero constituir como assistente nesses processos. Também já li que o juiz da comarca do processo Face Oculta disse que considera que essas escutas estão em segredo de justiça. Assim, não falo sobre o seu conteúdo, pois, a ser verdade que são crime, o que os meus advogados me dizem que sim, estaria a compactuar com criminosos, e até dos que fogem a serem notificados pelos tribunais. Não me queira fazer cúmplice dessa rapaziada. Dizem-me também que, estando em causa comunicações entre cliente e advogado, as escutas das conversas entre mim e o advogado dr. Paulo Penedos poderão ser ilegais. Não sendo advogado, ouvi dizer um dia que há certas leis que os cidadãos devem defender como se fossem as muralhas da sua cidade.
A PT tinha de facto vontade de voltar aos media depois da experiência amarga na Lusomundo? Acha que fazia sentido estratégico este regresso aos media?
Estou limitado por lei por um dever de confidencialidade relativamente a negócios da PT. Os administradores da empresa proprietária do i dir-lhe-ão o mesmo se lhes perguntar. E não se esqueça de que a PT está num ambiente de concorrência apertada e que a PT Comunicações é concessionária do serviço público universal de telecomunicações. Se falar sobre esse negócio, como sobre outros, dizem-me os advogados que posso estar a cometer um crime chamado violação de segredo por funcionário. Este dever de confidencialidade e as suas consequências foi algo para que os advogados me alertaram aquando do meu início de funções de administrador. É claro que não cometerei esse crime, ou qualquer outro.
Essa vontade foi alguma vez discutida formal e informalmente pela administração da PT?Tenho de repetir o que disse à sua pergunta anterior?
Nunca avaliaram os riscos políticos da operação?
Outra vez?
Alguma vez falou com o primeiro-ministro ou com o ministro das Obras Públicas sobre estas questões (os media) e alguma vez José Sócrates – ou outro elemento do governo – lhe pediu que montasse um esquema para aumentar o peso e o controlo do Estado nos órgãos de comunicação social?
Essa história de que o primeiro-ministro ou qualquer membro do governo me deram ordens, instruções ou recomendações para a PT comprar uma participação na TVI é de anedota. Só o “Sol” e quem acredita no que lê no “Sol” pode imaginar que o primeiro-ministro me deu essa ordem e que eu, então um vogal da comissão executiva da PT, teria decidido comprar essa participação, ou que teria dado ordem aos meus chefes, o dr. Granadeiro e o Eng. Bava, para a comprarem. E li na imprensa uma declaração conjunta do dr. Granadeiro e do eng. Zeinal que me permitirá que cite na íntegra: “A projectada aquisição pela PT de uma participação relevante na Media Capital enquadrava-se nos objectivos estratégicos da PT, apresentando por isso um racional de negócio próprio, sobre o qual foram dadas as explicações necessárias em momento próprio e que aqui se reiteram”.
Como explica as conversas que teve com Paulo Penedos sobre o negócio entre a PT e a Prisa?
Não branquearei o crime de violação de segredo de justiça.
O facto de ter chegado a administrador da PT com 33 anos é um dos elementos que fortalece e credibiliza as suspeitas junto da opinião pública. Como conseguiu a nomeação, quem o convidou e como reagiu ao convite?Fui convidado por uma única pessoa: o dr. Henrique Granadeiro. Só o próprio poderá explicar a razão de me ter convidado e de me ter renovado o convite três anos depois, para o mandato seguinte. Como imagina, recebi ambos os convites com alegria e sentido de responsabilidade.
Acha-se um boy do PS ou considera injusta essa acusação?
As biografias que os jornais têm publicado sobre mim têm esse objectivo. Como essas biografias estão cheias de meias verdades, omissões e mentiras puras e duras, quem quiser tire as suas conclusões. Mas deixe-me dizer o seguinte: enquanto administrador executivo da PT SGPS fui quatro vezes avaliado pela comissão de avaliação da empresa. Cada um dos pelouros que ocupei, e nomeadamente o cumprimento dos meus objectivos em cada pelouro, foi analisado e apreciado por essa comissão. Essa informação é pública. Por que razão nenhum jornal, até hoje, se interessou por ela?
Sente-se perseguido politicamente?
Não acredito que haja alguém suficientemente ingénuo a ponto de não perceber que o que se está a passar relativamente a mim faz parte duma estratégia para atacar o eng. José Sócrates.
Desde quando soube que estava sob escuta? Alguém o informou antes de ver publicadas as escutas? O “Correio da Manhã” noticiou que, a certa altura, alguém o informou...
Em primeiro lugar, nenhuma autoridade me disse que estou sob escuta. Mas li há tempos na imprensa que em Portugal há uns 40.000 telefones sob escuta. O “Correio da Manhã” também publicou, como notícia principal da sua edição na Internet, no dia em que a operação policial Face Oculta se tornou pública, que um administrador da PT estava a ser ou tinha sido inquirido no âmbito desse processo, e no texto dizia-se que esse administrador era eu próprio. Veja bem aonde as coisas chegam. Aproveito para dizer que não conheço o Sr. Manuel Godinho e nenhuma das suas empresas tinha ou teve relações com a PT enquanto fui seu administrador, ou, tanto quanto sei, com qualquer empresa a que eu esteja ou tenha estado ligado.
Fala ao telefone livremente?
Há tempos, li uma declaração do dr. José Pacheco Pereira em que este dizia qualquer coisa como isto: sei, como toda a gente, que há conversas que não se devem ter ao telefone. Mas também sei que sempre cumpri a lei e não tenho nada a recear. Além de que pôr-me a monte para fugir a notificações dos tribunais não faz o meu tipo.
Acha que as grandes empresas têm poder sobre os media? Controlam jornalistas?
A meu ver, só é controlado quem se deixa controlar.
O que vai fazer agora que saiu da PT? Saiu da administração, mas continua quadro da empresa? Trabalho no grupo PT desde 2001. Entrei, com um contrato de trabalho a termo com a duração dum ano. Era então primeiro-ministro o eng. Guterres. Durante os governos dos drs. Durão Barroso e Santana Lopes, entrei no quadro, o meu salário triplicou e fui nomeado assessor do conselho de administração da PT Multimédia. O meu contrato de trabalho esteve suspenso enquanto fui administrador, e agora que deixei de o ser, o contrato deixou de estar suspenso.
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