A Reforma, a Reestruturação ou o Reequilíbrio

Sistema Fiscal
A Reforma, a Reestruturação ou o Reequilíbrio (*)
Casimiro Ramos

O funcionamento do sistema fiscal português será sempre um tema para debate.

Apesar das suas insuficiências, mas também das suas virtudes (pelo menos, a capacidade de arrecadar receita e os seus intuitos redistributivos), todos os fiscalistas estão cientes, das dificuldades que existem para melhorar ou reformar o sistema,  no sentido de conseguir uma maior justiça fiscal para o universos dos contribuintes Portugueses.

Considerando a importância que o IRS e o IRC,  têm no total das Receitas Fiscais (cerca de 42 por cento) por um lado, e nas implicações no campo de incidência, que deles deriva noutros impostos, por outro, parece relevante que se analise a evolução destes dois impostos  nos últimos 9 anos.

 1. A evolução contributiva em IRS e IRC

O número de contribuintes em 1998 foi de cerca de 3.5 milhões, mais 350 mil do que em 1995 e mais 490 mil do que em 1992. Este acréscimo do número de contribuintes, teve maior significado a partir de 1996 e deve-se essencialmente ao aumento do número de contribuintes em IRS (um crescimento de 11.1 por cento de 1995 para 1998, contra 3.7 por cento de 1992 para 1995).
Fonte: Min. Finanças

A matéria colectável, por sua vez, também apresenta um crescimento mais significativo a partir de 1995. Tal facto  ficou a dever-se ao aumento mais acentuado da matéria colectável de IRC, que teve um crescimento de 53 por cento de 1992 para 1995 e de 72 por cento de 1995 para 1998 (no período de 1992 a 1995, a matéria colectável em IRC cresceu 1.6 vezes).

Por sua vez, a matéria colectável em IRS teve um crescimento, mais ou menos progressivo.

Ao crescimento da matéria colectável, correspondeu, como é lógico, o aumento do valor das colectas.

A este respeito, também foi o aumento da colecta em IRC (cresceu 47 por cento de 1995 para 1998), que mais contribuiu para o crescimento do valor das colectas a partir de 1995, permitindo que no total das colectas, o crescimento de 1992 para 1998 tenha sido de 77 por cento.

A evolução das matérias colectáveis e das colectas, com crescimentos superiores ao crescimento do número de contribuintes, nomeadamente a partir de 1995, teve como significado um alargamento da base tributável e um aumento do valor das colectas por contribuinte, factor essencial para manter o financiamento do sistema.

Trabalhando estes dados e calculando o indicador de matéria colectável e de colecta por contribuinte, apesar de se registarem crescimentos relevantes ao nível do IRS é mais uma vez no IRC, que estes indicadores registam um aumento mais significativo, a partir de 1995.

Digno de registo é também o facto do peso das colectas em relação às matérias colectáveis ter sido praticamente inalterado no período de 1991 a 1995 (cerca de 21 por cento no IRS, entre 38 por cento a 34 por cento em IRC e cerca de 25 por cento no conjunto dos dois impostos). Isto significa que, em termos gerais, o Governo não subiu a carga fiscal, confirmando-se a promessa da não subida de impostos.

No entanto, a análise genérica destes números, não esclarece a inegável iniquidade do sistema, as fugas que realmente existem e os montantes, que de facto por diversas razões, deixam de ser arrecadadas pela administração pública.

2. A relação Estado/Contribuinte

Se a eficiência da máquina fiscal, sobretudo nos últimos quatro anos, nomeadamente através da melhoria dos sistemas de controlo e fiscalização terão permitido ao Estado arrecadar a mais, cerca de mil milhões de contos (pressupondo a mesma colecta por contribuinte de 1995 a 1998), no conjunto dos dois impostos não podemos ignorar, o elevado número de contribuintes em IRC, que nada pagam ou que pagam valores irrisórios, da não declaração de rendimentos em espécie, da subfacturação, das despesas empoladas, etc., etc. etc.

Durante muitos anos, o Estado enquanto cobrador de impostos colocou-se sistematicamente perante o contribuinte, no pressuposto de que este não era cumpridor. Então, a solução sistematicamente encontrada para que o nível de receitas não baixasse, era o de subir ano após anos, as taxas do imposto.

Essa metodologia, errada logo no principio da presunção do incumprimento, leva a que sistematicamente uns, paguem absurdamente mais que outros e pior que tudo, também pelos outros. Isto é, a sobrecarga recai na maior parte dos contribuintes por conta de outrem, cujo rendimento advém exclusivamente do salário legal e realmente declarado.

O primeiro passo para eliminar esta presunção de incumprimento e para dar maior transparência ao sistema fiscal era sem dúvida a adopção do principio da tributação pelo rendimento real. Na realidade é a aplicação dessa metodologia, que explica o sucessivo crescimento da matéria colectável em IRC, nomeadamente nas pequenas e médias empresas.

No entanto, a adopção do principio da tributação pelo rendimento real, mantendo em vigor taxas que na sua génesis não tinham por base este principio, acentua as injustiças  e os empresários têm dificuldade em entender um nível de tributação, que está entre os 38 por cento e 34 por cento (acrescendo ainda as contribuições para a segurança social), quando o nível de tributação em IRS, se situa nos 21 por cento. Ou seja, não é aceite com razoabilidade, que uma empresa tenha um «sócio» (Estado) que no fim do ano receba 1/3 dos dividendos.

Estamos, assim, num ciclo vicioso em que existem um conjunto de questões, que devem ser clarificadas.

- Se os sistemas de controlo e fiscalização são eficientes no actual sistema, as lacunas estarão no sistema.

- Se o sistema tem a malha larga, partindo do principio do incumprimento, tal é incompatível com a tributação pelo rendimento real, pois as taxas são inadequadas.

- Se a postura do próprio contribuinte perante o Estado é a de incompreensão para com o sistema, então estamos na situação em que o doente não colabora com o médico e logicamente dificulta a terapia.

- Confundir deficiências do sistema com insuficiências dos métodos de fiscalização, nomeadamente acreditar que o levantamento generalizado do sigilo bancário é a grande solução, traduzir-se-á na prática por punir exemplarmente alguns contribuintes, sem que na generalidade haja alterações ao sistema, ou seja admitir a incapacidade de o melhorar.

3. O reequilibrio do sistema

Uma vez que, no que respeita ao IRS,  tem sido possível não aumentar a carga fiscal (nomeadamente pelo intensivo recurso dos contribuintes às diversas modalidades de benefícios fiscais e também pelo mecanismo de deduções à colecta, introduzido pelo Governo a partir de 1999), tudo aponta para que ao nível do IRC, o papel das empresas e empresários seja determinante.

Se as taxas de IRC se situarem em valores razoáveis, esse será um primeiro passo para que não existam empresários (sócios-gerentes) a declaram como rendimento o Salário Mínimo Nacional, que possa ser diminuído o número de trabalhadores contratados em situação precária, que as situações dos trabalhadores independentes (liberais) seja transparente, que o principio da tributação pelo rendimento real, seja realmente aplicado.

O contexto actual, apresentado pela evolução nos últimos anos do número de contribuintes e respectiva carga fiscal, demonstra que a proposta do Governo em reduzir as taxas de IRC é oportuna, lógica e indispensável para diminuir a iniquidade do sistema.

Como em qualquer sistema, o sistema fiscal é composto por vários intervenientes e a sua relação é interdependente e indispensavelmente leal. Se alguma das partes não cumpre lealmente com os seus deveres, então, de facto  não haverá sistema que nos valha.

(*) Artigo publicado no Acção Socialista - 27.01.2000

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