Um exemplo clássico de reposicionamento dos incumbentes.
Mário Soares, que não costuma enganar-se nestas coisas, foi dos primeiros a notar que a escolha de António Preto constituia um erro político irreparável. Vale a pena explicar porquê.
O PSD chegou a esta campanha eleitoral com o estatuto de challenger, encorajado pelos bons resultados das europeias. Tinha a seu favor um posicionamento engenhoso, sintetizado na fórmula Política de Verdade: contra a propaganda do PS, os portugueses podiam confiar na frugalidade de Manuela Ferreira Leite. Contra as alucinações ruinosas do dirigismo socialista, propunha-se o amável reconforto das pequenas e médias empresas, escolas de sobrevivência erigidas em reserva moral da nação.
Infelizmente isto não chega para ganhar eleições: os portugueses toleram doses copiosas de propaganda, e preferem que o Governo faça alguma coisa a que o Governo os deixe em paz. Para triunfar nas legislativas, o PSD necessitava também de reposicionar o Partido Socialista caracterizá-lo em tons carregados, que fossem um contraponto negativo da honestidade que propunha aos eleitores.
Ou seja, o PS tinha que ser catalogado como um partido de ladrões que se banqueteavam com os despojos do país em ruínas, distribuindo empreitadas faraónicas aos amigalhaços da Mota-Engil enquanto bebiam do fino nos terraços elegantes de um gabinete ministerial lá fora, as classes médias gemiam de fome. Menos que isto seria excesso de prudência.
Reposicionar o incumbente é uma função essencial da estratégia política. Foi assim que Margaret Tatcher humilhou os trabalhistas. Foi assim que Mário Soares derrotou Freitas do Amaral asociando-o à memória ainda fresca do fascismo. Este senhor explica bem as subtilezas do processo.
Mas as exigências mínimas de qualquer reposicionamento são a credibilidade e a diferenciação. Tatcher derrotou os trabalhistas porque propunha uma forma plausível de anti-trabalhismo. Soares pôde associar Freitas do Amaral ao Estado Novo, porque tinha sido um opositor do Estado Novo. Para caracterizar o PS como um partido de ladrões, Ferreira Leite precisava de uma lista repleta de apoiantes impolutos.
A conclusão do meu post é a seguinte: ao colocar António Preto nas listas de candidatos, Ferreira Leite não cometeu apenas um erro grave, mas dois. Para além de lesar o novo posicionamento do seu partido, também comprometeu o reposicionamento do Partido Socialista, de que necessitava em absoluto para vencer. O efeito combinado destes dois erros pode ser avassalador.
Escrito por Luis M. Jorge
15-08-09 às 20:42
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