Casa Pia

O mais longo julgamento pode durar "bastante mais tempo"

Por Paula Torres de Carvalho

Sete anos depois de ter sido denunciado e cinco após o início do julgamento, o chamado processo de pedofilia da Casa Pia continua a arrastar-se. Incidentes processuais atrasam o seu desfecho, enquanto aumentam os volumes do processo e a impaciência dos envolvidos

Os réus envelheceram, voltaram a trabalhar, alguns escreveram livros, outros casaram. Os queixosos cresceram, fartaram-se de polícias e de psicólogos, deixaram de ter segurança, procuraram endireitar a vida, houve um que tentou suicidar-se. O caso foi denunciado há sete anos. O julgamento da Casa Pia começou, faz hoje, cinco anos. E ainda se arrasta em tribunal, sem data marcada para a sentença. Para "desespero" de todos: vítimas, arguidos, advogados e magistrados.

Cansado de estar "preso" ao processo, entretanto considerado de "especial complexidade", o procurador João Aibéo, representante do Ministério Público no julgamento, resolveu aproveitar os intervalos para acusar carteiristas e assaltantes noutros julgamentos. "Para justificar o que me pagam e porque é o que gosto de fazer", explicou ao PÚBLICO.

Na 450.ª audiência realizada, na passada segunda-feira, no Tribunal de Instrução Criminal, no Campus da Justiça, em Lisboa, o colectivo de juízes presidido por Ana Peres deferiu algumas das alterações de factos (nuns casos totalmente, noutros parcialmente) propostos pelo Ministério Público. Traduzindo: aceitou a proposta do procurador que considera que as datas e os locais onde terão ocorrido os abusos sexuais a ex-alunos da Casa Pia foram outros, diferentes dos que foram apresentados em tribunal. Para já, a juíza aceitou sete das 40 alterações que Aibéo propôs durante as alegações finais que apresentou ao tribunal, no ano passado. Já então se dizia que o julgamento estava na "recta final". Essas alterações dizem respeito a factos de que estão acusados quatro dos sete arguidos: Carlos Silvino, Jorge Ritto, Manuel Abrantes e Ferreira Diniz.

O tribunal marcou nova audiência para o próximo dia 14, anunciando a eventualidade da comunicação de novas alterações. O que quer dizer, segundo o advogado da Casa Pia, Miguel Matias, que o tribunal poderá entender "que os factos podem ter acontecido" e que os arguidos poderão ser condenados.

Os advogados desses arguidos têm agora 25 dias para apresentar a sua defesa e contraditar os factos introduzidos pelas alterações. Paulo Sá e Cunha, advogado de Manuel Abrantes, protesta: as alterações deviam ter sido produzidas "antes das alegações finais".

Também Joaquim Moreira, advogado de Jorge Ritto, refere "irregularidades" no que respeita às alterações, tendo requerido a audição de novas testemunhas: todos os porteiros e moradores do edifício apontado como o local onde Ritto terá abusado de um jovem casapiano.

Todo este processo de produção da chamada prova complementar relativa a períodos e locais onde terão ocorrido os abusos sexuais indica que o julgamento está muito mais longe do fim do que se julgava. Ricardo Sá Fernandes, advogado de Carlos Cruz, disse aos jornalistas, no final da última audiência, que "infelizmente" o julgamento deverá durar "bastante mais tempo".

"Cinco anos é muito tempo", considera também Miguel Matias. "É desesperante para as vítimas, para quem quer justiça, para quem está a ser julgado".

Às alegações finais dos advogados e do Ministério Público, no ano passado, habitualmente proferidas no final dos julgamentos, seguiram-se contra-alegações e réplicas, alegações complementares e declarações finais de arguidos. E outro ano passou.

O julgamento foi mudando de sítio. Até chegar ao Campus da Justiça, passou, nos últimos cinco anos, primeiro pelo Tribunal da Boa-Hora, depois pelo Tribunal Militar de Santa Clara e, a seguir, pelo Tribunal de Monsanto. O processo cresceu e já ultrapassa as 60 mil folhas, entre as quais se incluem os milhares de requerimentos que, tantas vezes, atrasaram o andamento do julgamento.

Mais de mil pessoas, entre testemunhas e peritos, prestaram depoimento ao longo das audiências. E o tribunal teve de apreciar os registos sonoros e audiovisuais de centenas de cassetes.

Os jovens ex-alunos da Casa Pia que acusam os arguidos de terem abusado sexualmente deles foram ouvidos, no tribunal, à porta fechada. Antes, relataram e repetiram a sua história a assistentes sociais, a polícias, a peritos e a psicólogos. Até se ter estabelecido na lei a gravação para memória futura para este tipo de casos, tendo em conta a protecção das vítimas, de forma a que tenham de relatar os factos apenas uma vez.

Nas suas declarações finais ao tribunal, com excepção do arguido principal, Carlos Silvino, que se confessou culpado, todos os restantes seis arguidos reclamaram a sua inocência e manifestaram a sua revolta ao tribunal, salientando como a sua vida foi prejudicada por este processo.

O ex-provedor da Casa Pia Manuel Abrantes referiu, nas suas alegações, que há sete anos a sua vida "é um Inferno".

Carlos Cruz, apresentador de programas televisivos, jurou a sua inocência e garantiu não ter qualquer tendência para a homossexualidade ou pedofilia.

O médico Ferreira Diniz, que, depois de ter estado em prisão preventiva, voltou a exercer medicina, manifestou a sua grande "indignação" pela forma como foi envolvido no processo e pelas consequências que isso teve sobre a sua família e disse que nunca perdoará à comunicação social e às autoridades judiciais.

O embaixador Jorge Ritto salientou como a sua "vida social e profissional" foi "destruída" e atribuiu culpas à "campanha voraz" levada a cabo pela comunicação social.

Gertrudes Nunes, antiga ama da Segurança Social, dona da casa de Elvas indicada como um dos locais onde ocorreram os abusos sexuais, disse desconhecer "como isto chegou" a sua casa.

Quanto ao advogado Hugo Marçal, jurou a sua inocência em nome da mãe e do filho e disse que "nenhum psicólogo" conseguirá apagar o "sofrimento atroz" de ser arguido naquele que é já o mais longo, complexo e caro processo da história judicial portuguesa.

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