Tomada de posse do governo Sócrates I (2005)

Sábado, 12 de Março, Palácio da Ajuda
12.03.2005
Senhor Presidente da República
Senhor Presidente da Assembleia da República
Senhores Presidentes do Supremo Tribunal de Justiça e do Tribunal Constitucional
Senhoras e Senhores Ministros do XVII Governo Constitucional
Senhores Membros do Governo cessante
Excelências
Minhas Senhoras e meus Senhores
 

Decidiu Vossa Excelência, Senhor Presidente da República, com a legitimidade democrática e constitucional de que está investido, que as circunstâncias da vida nacional impunham que o povo português fosse de novo chamado a pronunciar-se sobre o seu futuro, em eleições antecipadas.

Todos compreendemos a dificuldade inerente a uma tal decisão, de tantas e tão sérias implicações.

Todavia, os resultados da eleição do passado dia 20 de Fevereiro são absolutamente inequívocos. Os portugueses revelaram-se conscientes da gravidade do momento e, com o seu elevado sentido cívico, desmentiram o crónico pessimismo de tantos analistas e fizeram destas eleições umas das mais participadas dos últimos anos.

A conclusão impõe-se, portanto, com clareza: Vossa Excelência quis dar a palavra ao povo e a verdade é que o povo tinha, realmente, uma palavra a dizer às suas instituições representativas.

O povo falou e falou claro. Por sua vontade, abre-se hoje um novo ciclo na vida política portuguesa. Os portugueses quiseram que se constituísse uma nova maioria e quiseram dar-lhe um mandato claro para formar um Governo estável, para toda a legislatura. 

Este mandato é, portanto, a expressão política da vontade de mudança dos portugueses e é também o sinal de uma nova confiança e de uma maior exigência. O XVII Governo Constitucional, a que tenho a honra de presidir, emana desta profunda vontade de mudança, que tão claramente se expressou - não a favor de uma mera alternância mas a favor de um novo projecto político alternativo. 

A primeira palavra que naturalmente me ocorre ao espírito é a palavra "responsabilidade". Sei bem qual é o nosso desafio, o desafio deste Governo. Esse desafio é o de estar à altura da maioria absoluta que os portugueses nos quiseram conferir. 

Pois bem, este é o momento para dar testemunho do sentido que atribuímos às responsabilidades políticas que os portugueses e Vossa Excelência, senhor Presidente da República, nos acabam de confiar.

Duas ideias-chave queremos que caracterizem a nossa conduta e que orientem a nossa acção.

A primeira, é que o XVII Governo Constitucional seja um Governo inspirado nos melhores valores da tradição democrática. O compromisso que solenemente quero assumir é que, ninguém - nenhuma força política, nenhum sujeito institucional, nenhum parceiro social, nenhum grupo de cidadãos - ficará excluído do processo democrático, do direito a participar e do direito a ser ouvido. 

A construção da democracia é, por natureza, um trabalho sem fim. Pois eu interpreto a maioria absoluta que se formou no Parlamento como razão para uma maior exigência na qualidade da nossa democracia, para um maior respeito pelos direitos das oposições e para uma maior atenção à concertação social. Este Governo governará com sentido nacional e conta com todos, porque sabemos bem que o poder que vamos exercer não é nosso - esse poder é dos cidadãos que queremos representar. 

Mas quero também deixar claro que este Governo quer honrar os seus compromissos. O que os portugueses esperam do Governo é que seja fiel ao projecto político que recolheu apoio maioritário dos eleitores. Que governe com as suas ideias - que respeite as dos outros, certamente; que esteja aberto às propostas de todos, com certeza; que saiba construir os consensos necessários, como sem dúvida faremos. Mas que governe com as suas próprias ideias e com o seu próprio projecto. 

O que não faremos é governar com o programa de outros, sejam eles mais à esquerda ou mais à direita. Este Governo tem a sua agenda, este Governo tem o seu projecto, este Governo tem o seu rumo. Nós conhecemos o nosso caminho, nós sabemos para onde ir. E este Governo, quero garantir-vos, veio para cumprir - e para cumprir o seu programa

Senhor Presidente

Minhas Senhoras e meus Senhores

Há um ponto que quero deixar absolutamente claro. Este Governo não é um Governo sem alma. Este Governo não se rende ao pragmatismo sem valores, nem confunde competência com tecnocracia. 

O Governo que hoje assume funções é um Governo com identidade política, um quadro de princípios e de valores estruturantes que o inspiram e que orientarão a sua conduta política. 

Permitam-me que sublinhe aqui quatro eixos fundamentais do pensamento político que servirá de referência à acção deste Governo.

Em primeiro lugar, o equilíbrio activo entre os princípios da liberdade e da igualdade. À igualdade de oportunidades que o Estado tem obrigação de garantir e promover contra velhas e novas formas de discriminação, deve corresponder, também, a afirmação livre da iniciativa e a construção individual da própria identidade. 

Em segundo lugar, assumimos a esfera pública como espaço fundamental para a afirmação do interesse geral e para a coesão nacional. Uma economia dinâmica e uma sociedade mais justa não dispensam serviços públicos de qualidade, nem podem prescindir de um Estado com políticas activas de crescimento, de emprego, de redução das desigualdades sociais, mas também de um Estado empenhado nas novas áreas do ambiente, da qualidade urbana e da defesa do consumidor. Só os ricos se podem permitir um Estado pobre e só os poderosos convivem bem com um Estado fraco. 

Em terceiro lugar, quero afirmar a centralidade do conhecimento nos sistemas económicos das sociedades actuais. A mobilização das políticas da educação, da ciência e da tecnologia, ao serviço do crescimento e do emprego, é mais do que uma táctica de conjuntura - é um imperativo contemporâneo essencial. A ciência e a tecnologia não são apenas forças económicas principais, elas representam também forças propulsoras de cultura, de saber, de conhecimento. Elas são forças para uma cidadania esclarecida, que é uma condição incontornável para um Portugal moderno e desenvolvido. 

Em quarto lugar, afirmo o valor do cosmopolitismo como valor estruturante que nos serve de referência no plano internacional. Assumimos como indissociáveis o progresso e a paz entre as nações e a afirmação universal dos princípios da razão - da liberdade, da tolerância, dos direitos humanos, do direito internacional. É, aliás, neste entendimento que se fundou o projecto europeu de uma cidadania supranacional, capaz de superar positivamente os egoísmos nacionais. E é ainda nesta ambição cosmopolita que se continua a fundamentar o desejo de aprofundamento da União Europeia, como um dos mais importantes e cruciais projectos políticos dos nossos tempos.

É deste quadro global de valores que emana a nossa agenda política - uma agenda ao serviço da resolução dos sérios problemas com que o País se defronta.

A situação do País, todos o sabemos, é uma situação difícil. E é especialmente difícil, nunca o esqueçamos, para aqueles que têm mais frágeis rendimentos ou que sofrem o flagelo do desemprego. 

Os dados oficiais ontem divulgados são claros: em 2004 a economia portuguesa saiu e voltou a entrar em recessão. Os indicadores de confiança permanecem desfavoráveis; o pessimismo marcou de forma decisiva os últimos anos da vida dos portugueses. 

Também o desemprego continuou uma prolongada trajectória de subida e tanto o desemprego de longa duração como o desemprego juvenil têm crescido de forma muito intensa. Por outro lado, apesar de não ser conhecida em toda a sua extensão a situação das contas públicas, o mínimo que se pode dizer é que não foram dados passos seguros e eficazes na consolidação orçamental.

Mas o tempo é de virar a página. A hora é de mobilizar vontades e energias em torno do que mais importa. E o que mais importa é o futuro e não os ajustes de contas com o passado que tanto mal trouxeram à confiança e à mobilização dos portugueses. Começa hoje o tempo de olhar para o futuro e de centrarmos os nossos esforços nos desafios que aí estão. É assim que será este Governo. Um Governo com os olhos postos no futuro. 

Quero assumir, em nome do Governo, três grandes prioridades. 

A primeira, vencer os factores estruturais que condicionam o nosso desenvolvimento.

A segunda, recuperar o crescimento económico e combater o desemprego.

A terceira, reduzir decisivamente as desigualdades sociais e os níveis de pobreza.

O atraso português só pode ser superado mobilizando os recursos nacionais para investir em duas direcções fundamentais: conhecimento e inovação.

Conhecimento que é hoje o instrumento fundamental para criar um padrão de competitividade duradoura, em particular para um pequeno País inserido numa economia mundial cada vez mais aberta. É por isso que a educação, a ciência e a qualificação dos portugueses serão as prioridades decisivas da nossa acção governativa. A melhor política económica é a política de educação. É essa a nossa convicção e é essa a nossa escolha. 

Mas também a inovação. A inovação é a ferramenta essencial para superarmos de vez um modelo de desenvolvimento que todos reconhecem estar esgotado. É por isso que nos concentraremos na introdução da inovação e do progresso tecnológico na dinâmica das nossas empresas e da nossa Administração Pública.

Conhecimento, inovação e tecnologia - reafirmo aqui que estes são os pilares do nosso plano para a mudança. 

Mas que ninguém tenha dúvidas - tudo será mais difícil se a economia portuguesa permanecer num clima depressivo e na estagnação. É preciso apostar decisivamente num crescimento económico saudável,  suportado por empresas competitivas nos mercados externo e interno. Num crescimento rico em exportações e criador de mais e de melhores empregos.

Com um melhor ambiente para as empresas, com cidadãos mais qualificados e com uma Administração Pública mais eficiente, teremos condições para crescer mais e mais rapidamente. Está ao nosso alcance fazê-lo. E vamos fazê-lo.

Não esqueceremos, também, que finanças públicas sãs são condição necessária - não suficiente, mas necessária - para o desenvolvimento económico e para a criação de emprego. 

Rigor, transparência e verdade têm de ser as palavras-chave no domínio das contas públicas. Rigor, desde logo, na despesa, porque essa é a forma última de garantir a sustentabilidade de longo prazo das contas públicas, de assegurar uma economia competitiva e de garantir o Estado Social.

Rigor, também, no cumprimento do Pacto de Estabilidade e Crescimento, de acordo com a revisão que irá ser feita. Múltiplos instrumentos poderão ser usados, mas o rigoroso controlo da despesa e o combate à fraude e à evasão fiscal serão, sem dúvida as traves-mestras da nossa acção.

Mas também a transparência. A transparência e a sustentabilidade das contas públicas são essenciais para a credibilidade externa e interna da governação.

Finalmente, a verdade. Pagar impostos é obrigação de cidadania; mas conhecer a verdade sobre as contas do Estado é um direito dos cidadãos. O país conhecerá a verdade sobre a situação orçamental - mas essa verdade não será, para nós, um instrumento de mero combate político mas um passo necessário para apresentarmos ao País e ao Parlamento um programa de acção para enfrentar os problemas orçamentais.

Senhor Presidente

Minhas Senhoras e meus Senhores

Quero reafirmar aqui que a opção do Governo que o povo sufragou envolve, também, um compromisso indeclinável na luta contra as desigualdades e contra a pobreza; e sobretudo contra a pobreza sem voz, que é a dos mais idosos.

Não ficaremos passivos perante o facto da pobreza dos idosos em Portugal atingir uma dimensão alarmante, nem fecharemos os olhos quando uma parte importante das nossas crianças não tem, ainda, acesso a bens e serviços essenciais.

Um país mais coeso e mais solidário será sempre um país mais competitivo. Empenhar-nos-emos para que as políticas sociais, na educação, na saúde, na segurança social, sejam mais eficazes na promoção da igualdade, mas que sejam também plenamente fiéis aos equilíbrios geracionais e assumam de forma séria e responsável o desafio da sua sustentabilidade estratégica. 

Mas as dificuldades do país exigem de nós que enfrentemos, sem tergiversar, atavismos e bloqueios que há tempo de mais limitam a modernização do nosso País. 

É tempo de resolver os estrangulamentos que impedem que o interesse geral se imponha aos interesses particulares e corporativos que não servem a maioria dos portugueses. Não recuaremos perante esses obstáculos que tolhem os direitos dos cidadãos, que lesam os consumidores e que, numa palavra, prejudicam o País e o bem comum.

Quero dar apenas dois exemplos, de natureza bem distinta, para que fique bem claro do que estamos a falar.

Primeiro exemplo: numa altura em que Portugal tem problemas tão exigentes para resolver, temos pela frente um calendário político também ele da maior exigência. Num curto espaço de tempo, deveremos fazer eleições autárquicas, presidenciais e temos ainda dois referendos no horizonte. Penso que podemos e devemos minimizar os custos desta sucessão de consultas populares. Nenhuma razão política séria impede que o referendo sobre o Tratado Constitucional Europeu seja realizado em conjunto com as eleições autárquicas, favorecendo a participação cívica e confiando na capacidade política dos portugueses. Por isso, com total respeito pelas competentes decisões que na matéria incumbem ao Senhor Presidente da República, empenhar-nos-emos numa revisão da Constituição que permita esta simplificação e este enriquecimento da nossa vida cívica e política. 

Segundo exemplo: não há nenhuma boa razão que impeça que os medicamentos de venda livre, não sujeitos a receita médica, possam ser adquiridos em qualquer estabelecimento, mesmo que não uma farmácia, desde que reuna as condições técnicas exigíveis de qualidade e segurança, nomeadamente o controlo técnico por um farmacêutico. Nada justifica que esta situação se mantenha, a não ser uma legislação obsoleta. Pois bem, isto deve e vai ser alterado. Os termos desta alteração serão, como é natural, discutidos com todos os interessados, mas a nova legislação basear-se-á num critério claro e preciso: o interesse do cidadão e do consumidor na acessibilidade aos medicamentos. Para este Governo, a defesa da concorrência e a defesa do consumidor são para levar a sério.

Senhor Presidente da República

Minhas Senhoras e Meus Senhores

O XVII Governo Constitucional governará assumindo todas as dimensões relevantes do papel de Portugal no Mundo, no respeito pelo primado do Direito Internacional e do papel cimeiro das Nações Unidas.

Desde logo, reafirmando a centralidade da nossa opção europeia e assegurando uma participação plena e activa de Portugal na construção da Europa, onde se jogam questões essenciais para o nosso futuro, como o  Tratado Constitucional ou o processo de programação das perspectivas financeiras para 2007-2013. 

Mas a opção europeia de Portugal coexiste saudavelmente com a nossa vocação atlântica - e estas duas dimensões da política externa portuguesa não são contraditórias, sendo antes complementares. 

O XVII Governo assegurará a presença actuante e empenhada de Portugal na NATO e a continuação e aprofundamento das nossas relações de amizade e cooperação recíproca com os Estados Unidos da América.

O nosso compromisso com a lusofonia completa o triângulo estratégico da nossa política externa. O Governo manterá o empenhamento constante e reforçado de Portugal na cooperação e amizade com os países lusófonos e fará uma aposta forte no papel alargado e dinâmico da CPLP. 

E porque a dimensão de um País também se mede pela pujança da sua língua e da sua cultura, e pela valorização da sua diáspora, empenhar-nos-emos na defesa e na promoção da língua e da cultura portuguesas, bem como na prestação de um efectivo apoio ás comunidades de emigrantes e luso descendentes espalhadas pelo Mundo.

Senhor Presidente

Minhas Senhoras e meus Senhores

A legislatura que agora se inicia deixará Portugal ás portas da viragem para a segunda década do século XXI. 

Sei que muitas gerações de portugueses foram educadas na escola do conformismo e da adversidade. Mas nada nem ninguém condenou Portugal e os portugueses ao insucesso.

É portanto clara a nossa tarefa, como é clara a nossa ambição: transformar o Portugal das fatalidades no Portugal das oportunidades.

Como disse o poeta, «hoje a vigília é nossa». Pois aqui estamos, para dar o nosso melhor. Para servir o nosso País. Afinal, apenas para cumprir o nosso dever.

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